Em Paris
Há policiais que gostam das luzes da televisão e há aqueles que fazem o trabalho. Jean-Rene Ruez é do segundo tipo. Ele foi com sua pá em busca de evidências - "restos humanos múltiplos" - quando era o principal investigador de Srebrenica, onde milhares de muçulmanos bósnios foram assassinados em julho de 1995, no pior massacre de Europa desde a Segunda Guerra mundial.
Ruez, oficial de polícia francês, foi a figura central no estabelecimento dos fatos sobre esses homicídios. Ele sabe melhor do que qualquer um como cerca de 8 mil homens e meninos fugindo de Srebrenica foram cercados pelas forças sérvias na Bósnia, assassinados, enterrados em valas comuns e transferidos para outros locais para esconder as evidências daquilo que tinha sido oficialmente classificado como genocídio.
Muçulmanas choram durante sepultamento de parentes, vítimas do massacre de Srebrenica
Desde que deixou a investigação na Bósnia em 2001, Ruez carrega caixas de vídeos, arquivos e outras evidências com ele em torno do mundo, para ter as provas à mão quando chamado para testemunhar contra os criminosos de guerra. Hoje, apesar de ter passado para uma linha de trabalho menos angustiante, ele continua a perseguir o que ele vê como uma busca inacabada por justiça.
"Não se deve acreditar que é uma obsessão para mim", disse Ruez, 47, em entrevista. Mesmo assim, ele está preparado para testemunhar em qualquer momento contra os homens procurados por crimes de guerra em Srebrenica, especialmente Ratko Mladic e Radovan Karadzic, que foram os líderes sérvios civis e militares na Bósnia e ainda estão foragidos.
"É totalmente inaceitável, uma vez que há evidências e os tribunais determinaram que o crime deve ser rotulado como genocídio, que apenas os subalternos de Mladic e Karadzic estejam atualmente presos", disse Ruez. "Eu fui interrogado cinco vezes, eu acho. Não tenho nenhum prazer em testemunhar. Não sinto vontade. Só quero que a justiça seja feita. Não apenas pelas vítimas, mas para todos os europeus - e toda a humanidade."
Ruez ficou tão marcado por sua experiência na Bósnia que nem seu sorriso alegre consegue apagar a sombra permanente em seus olhos. Ele pediu que sua atual localização não fosse revelada por preocupação que certos perpetradores de Srebrenica tivessem algo contra ele.
Em breve ele emergirá das sombras, entretanto, com a estréia neste outono de um filme francês sobre seu trabalho, "Resolution 819", dirigido por Georges Campana, com Benoit Magimel como Ruez.
Antes de ser nomeado para chefiar o que se tornou a maior investigação criminal na Europa desde a Segunda Guerra mundial, Ruez certamente não parecia um cruzado da justiça. Ele era chefe do esquadrão de crimes da cidade de Nice, tendo aprendido em seu treinamento da polícia "a incrível diversão de caçar criminosos".
Ainda assim, de muitas formas, disse ele, seus primeiros anos o prepararam para uma missão maior. Apesar de seu pai ser francês, sua mãe era alemã e, enquanto o criava no subúrbio arborizado de Paris de Saint-Clud, ela transmitiu a culpa que sentia com as atrocidades nazistas. Mais tarde, durante o serviço militar na Alemanha, ele teve uma experiência de geopolítica quando pacifistas - "pacifistas muito agressivos" - deram uma surra em jovens soldados franceses por serem contra o emprego de mísseis nucleares em solo alemão.
Depois do exército, Ruez estudou direito e entrou para a escola de elite francesa para comissários de polícia. Ele foi trabalhar com a polícia criminal em Paris, Marselha e depois Nice, onde, em 1994, ele soube que o Tribunal Internacional Criminal para a ex-Iugoslávia queria contratar investigadores de polícia.
"Eu me inscrevi imediatamente, porque eu tinha a forte sensação que esta guerra seria investigada e que os criminosos de guerra seriam punidos. Na Europa era tão inaceitável - com a experiência que tivemos da Segunda Guerra Mundial - que tais crimes não fossem investigados e punidos. E eu absolutamente queria fazer parte disso", disse Ruez.
O comissário de polícia entrou para o tribunal em Haia em abril de 1995 e foi enviado diretamente para o campo.
"Eu fazia parte do grupo investigando o cerco de Sarajevo em julho de 1995 quando Srebrenica caiu, e os primeiros rumores de um massacre chegaram à imprensa", disse ele.
No caos das guerras iugoslavas, Srebrenica tinha sido designada como "área segura" pela Organização das Nações Unidas, mas o Ocidente ficou assistindo parado enquanto a cidade, de maioria muçulmana, foi cercada por sérvios bósnios. Quando a cidade caiu, nos dias 11 e 12 de julho, refugiados em pânico procuraram abrigo nas instalações da ONU, mas as forças holandesas da ONU foram superadas pelos sérvios que avançavam. Os homens muçulmanos foram separados das mulheres, torturados e mortos. Separadamente, uma coluna de homens e meninos dirigiu-se para o norte, mas muitos foram capturados e mortos pelos sérvios.
As reportagens sobre as atrocidades sendo cometidas foram mínimas, pois os repórteres não eram capazes de chegar à área escarpada e poucos sobreviventes conseguiam chegar ao mundo exterior. Quando Ruez conseguiu alcançar a cidade muçulmana bósnia de Tuzla, no dia 20 de julho, apenas uma testemunha apresentou-se. Este foi seu ponto de partida.
"Quando a investigação de Srebrenica começou, a primeira fase foi de reconstrução dos eventos", disse Ruez. Para isso, ele contou com as testemunhas. Havia fotografias tiradas por aviões de reconhecimento U2 americanos, mas eram virtualmente inúteis sem a ajuda dos sobreviventes. "Uma fotografia de um U2 tem trinta quilômetros quadrados", disse Ruez. "Você pode fazer zoom, mas precisa saber o que procurar."
Ruez e sua equipe de várias nacionalidades de investigadores - dos EUA, Reino Unido, Suécia, Noruega, Paquistão, Austrália e Nova Zelândia - tinham que encontrar provas da carnificina: restos humanos, em outras palavras. Como mais de 8 mil pessoas estavam desaparecidas, a tarefa era enorme.
Os investigadores localizaram alguns locais onde os corpos haviam sido enterrados, graças em grande parte aos relatos das testemunhas. Mas logo antes do processo de paz na Bósnia ser firmado em Dayton, Ohio, em novembro de 1995, "os sérvios removeram os corpos das valas comuns" e os levaram para novas localizações secretas. A princípio, isso confundiu os investigadores.
"Estávamos sob a vigilância da inteligência sérvia em 1996", lembra-se Ruez. "Eles sabiam que tínhamos encontrado os pontos de enterro iniciais. Mas eles estavam rindo e tomando 'slivovitz' à noite porque sabiam que as evidências dos crimes tinham sido apagadas."
Gradualmente, a equipe de Ruez entendeu o que tinha acontecido. "Por exemplo, encontrávamos apenas 110 corpos amontoados em um local onde nossas informações indicavam que 1.200 pessoas haviam sido assassinadas. E alguns desses corpos tinham sido partidos com tratores. Então era óbvio que tinham sido removidos."
Quando os investigadores tiveram certeza do que tinha acontecido - "um crime dentro de um crime", diz Ruez - eles usaram as imagens aéreas para tentar localizar as valas secundárias. Os especialistas fizeram buscas com sondas e quando encontravam evidências de restos humanos, Ruez pegava sua pá.
As valas secundárias "estavam disseminadas em lugares remotos cheios de minas terrestres", lembra-se. "Toda vez que eu entrava, ficava impressionado de sair com duas pernas."
Quando Ruez finalmente deixou o tribunal, em 2001, estava tão exausto que tirou dois anos de licença, mudou-se para o Caribe e levou seus arquivos com ele. Quando voltou à polícia na França, trouxe os arquivos de volta.
"Eu carrego os arquivos onde quer que eu vá", disse Ruez, que agora trabalha em um escritório ensolarado com ar-condicionado e tem uma mesa coberta de papéis - jornais antigos sobre Srebrenica, mas também uma lista de restaurantes e bares locais. Ele está trabalhando em um anexo de uma embaixada francesa e ajuda a polícia local a combater de tudo, desde a imigração clandestina até incêndios florestais.
Em sua nova encarnação longe dos campos de morte, Ruez não desistiu de sua busca para lembrar o público que Mladic ainda está foragido. Ele alega que, para a Sérvia unir-se à União Européia, primeiro terá que entregar o general que liderou o assalto sérvio na Bósnia.
"Integrar a Sérvia com Mladic solto? Desculpe-me, mas não vou me sentir europeu", disse ele citando o lema usado com sua equipe: "Não há paz sem justiça."
Tradução: Deborah Weinberg
"Não se deve acreditar que é uma obsessão para mim", disse Ruez, 47, em entrevista. Mesmo assim, ele está preparado para testemunhar em qualquer momento contra os homens procurados por crimes de guerra em Srebrenica, especialmente Ratko Mladic e Radovan Karadzic, que foram os líderes sérvios civis e militares na Bósnia e ainda estão foragidos.
"É totalmente inaceitável, uma vez que há evidências e os tribunais determinaram que o crime deve ser rotulado como genocídio, que apenas os subalternos de Mladic e Karadzic estejam atualmente presos", disse Ruez. "Eu fui interrogado cinco vezes, eu acho. Não tenho nenhum prazer em testemunhar. Não sinto vontade. Só quero que a justiça seja feita. Não apenas pelas vítimas, mas para todos os europeus - e toda a humanidade."
Ruez ficou tão marcado por sua experiência na Bósnia que nem seu sorriso alegre consegue apagar a sombra permanente em seus olhos. Ele pediu que sua atual localização não fosse revelada por preocupação que certos perpetradores de Srebrenica tivessem algo contra ele.
Em breve ele emergirá das sombras, entretanto, com a estréia neste outono de um filme francês sobre seu trabalho, "Resolution 819", dirigido por Georges Campana, com Benoit Magimel como Ruez.
Antes de ser nomeado para chefiar o que se tornou a maior investigação criminal na Europa desde a Segunda Guerra mundial, Ruez certamente não parecia um cruzado da justiça. Ele era chefe do esquadrão de crimes da cidade de Nice, tendo aprendido em seu treinamento da polícia "a incrível diversão de caçar criminosos".
Ainda assim, de muitas formas, disse ele, seus primeiros anos o prepararam para uma missão maior. Apesar de seu pai ser francês, sua mãe era alemã e, enquanto o criava no subúrbio arborizado de Paris de Saint-Clud, ela transmitiu a culpa que sentia com as atrocidades nazistas. Mais tarde, durante o serviço militar na Alemanha, ele teve uma experiência de geopolítica quando pacifistas - "pacifistas muito agressivos" - deram uma surra em jovens soldados franceses por serem contra o emprego de mísseis nucleares em solo alemão.
Depois do exército, Ruez estudou direito e entrou para a escola de elite francesa para comissários de polícia. Ele foi trabalhar com a polícia criminal em Paris, Marselha e depois Nice, onde, em 1994, ele soube que o Tribunal Internacional Criminal para a ex-Iugoslávia queria contratar investigadores de polícia.
"Eu me inscrevi imediatamente, porque eu tinha a forte sensação que esta guerra seria investigada e que os criminosos de guerra seriam punidos. Na Europa era tão inaceitável - com a experiência que tivemos da Segunda Guerra Mundial - que tais crimes não fossem investigados e punidos. E eu absolutamente queria fazer parte disso", disse Ruez.
O comissário de polícia entrou para o tribunal em Haia em abril de 1995 e foi enviado diretamente para o campo.
"Eu fazia parte do grupo investigando o cerco de Sarajevo em julho de 1995 quando Srebrenica caiu, e os primeiros rumores de um massacre chegaram à imprensa", disse ele.
No caos das guerras iugoslavas, Srebrenica tinha sido designada como "área segura" pela Organização das Nações Unidas, mas o Ocidente ficou assistindo parado enquanto a cidade, de maioria muçulmana, foi cercada por sérvios bósnios. Quando a cidade caiu, nos dias 11 e 12 de julho, refugiados em pânico procuraram abrigo nas instalações da ONU, mas as forças holandesas da ONU foram superadas pelos sérvios que avançavam. Os homens muçulmanos foram separados das mulheres, torturados e mortos. Separadamente, uma coluna de homens e meninos dirigiu-se para o norte, mas muitos foram capturados e mortos pelos sérvios.
As reportagens sobre as atrocidades sendo cometidas foram mínimas, pois os repórteres não eram capazes de chegar à área escarpada e poucos sobreviventes conseguiam chegar ao mundo exterior. Quando Ruez conseguiu alcançar a cidade muçulmana bósnia de Tuzla, no dia 20 de julho, apenas uma testemunha apresentou-se. Este foi seu ponto de partida.
"Quando a investigação de Srebrenica começou, a primeira fase foi de reconstrução dos eventos", disse Ruez. Para isso, ele contou com as testemunhas. Havia fotografias tiradas por aviões de reconhecimento U2 americanos, mas eram virtualmente inúteis sem a ajuda dos sobreviventes. "Uma fotografia de um U2 tem trinta quilômetros quadrados", disse Ruez. "Você pode fazer zoom, mas precisa saber o que procurar."
Ruez e sua equipe de várias nacionalidades de investigadores - dos EUA, Reino Unido, Suécia, Noruega, Paquistão, Austrália e Nova Zelândia - tinham que encontrar provas da carnificina: restos humanos, em outras palavras. Como mais de 8 mil pessoas estavam desaparecidas, a tarefa era enorme.
Os investigadores localizaram alguns locais onde os corpos haviam sido enterrados, graças em grande parte aos relatos das testemunhas. Mas logo antes do processo de paz na Bósnia ser firmado em Dayton, Ohio, em novembro de 1995, "os sérvios removeram os corpos das valas comuns" e os levaram para novas localizações secretas. A princípio, isso confundiu os investigadores.
"Estávamos sob a vigilância da inteligência sérvia em 1996", lembra-se Ruez. "Eles sabiam que tínhamos encontrado os pontos de enterro iniciais. Mas eles estavam rindo e tomando 'slivovitz' à noite porque sabiam que as evidências dos crimes tinham sido apagadas."
Gradualmente, a equipe de Ruez entendeu o que tinha acontecido. "Por exemplo, encontrávamos apenas 110 corpos amontoados em um local onde nossas informações indicavam que 1.200 pessoas haviam sido assassinadas. E alguns desses corpos tinham sido partidos com tratores. Então era óbvio que tinham sido removidos."
Quando os investigadores tiveram certeza do que tinha acontecido - "um crime dentro de um crime", diz Ruez - eles usaram as imagens aéreas para tentar localizar as valas secundárias. Os especialistas fizeram buscas com sondas e quando encontravam evidências de restos humanos, Ruez pegava sua pá.
As valas secundárias "estavam disseminadas em lugares remotos cheios de minas terrestres", lembra-se. "Toda vez que eu entrava, ficava impressionado de sair com duas pernas."
Quando Ruez finalmente deixou o tribunal, em 2001, estava tão exausto que tirou dois anos de licença, mudou-se para o Caribe e levou seus arquivos com ele. Quando voltou à polícia na França, trouxe os arquivos de volta.
"Eu carrego os arquivos onde quer que eu vá", disse Ruez, que agora trabalha em um escritório ensolarado com ar-condicionado e tem uma mesa coberta de papéis - jornais antigos sobre Srebrenica, mas também uma lista de restaurantes e bares locais. Ele está trabalhando em um anexo de uma embaixada francesa e ajuda a polícia local a combater de tudo, desde a imigração clandestina até incêndios florestais.
Em sua nova encarnação longe dos campos de morte, Ruez não desistiu de sua busca para lembrar o público que Mladic ainda está foragido. Ele alega que, para a Sérvia unir-se à União Européia, primeiro terá que entregar o general que liderou o assalto sérvio na Bósnia.
"Integrar a Sérvia com Mladic solto? Desculpe-me, mas não vou me sentir europeu", disse ele citando o lema usado com sua equipe: "Não há paz sem justiça."
Tradução: Deborah Weinberg
Nenhum comentário:
Postar um comentário