quarta-feira, julho 30, 2008

Milhares de sérvios protestam contra prisão de Karadzic

"Boris Tadic [o presidente da Sérvia] e seu governo deveriam estar envergonhados, pois eles prenderam o maior herói da Sérvia" [Sveto Lucic, um dos fundadores do SDS]


Sarajevo, 26 jul (EFE)
- Milhares de pessoas protestaram hoje em várias cidades servo-bósnias contra a detenção do ex-presidente e suposto criminoso de guerra Radovan Karadzic, detido na última segunda em Belgrado.


A maior concentração de manifestantes, de até duas mil pessoas, foi registrada na localidade de Pale, cerca de 30 quilômetros ao sudeste de Sarajevo, onde vive a família de Karadzic e onde o ex-líder viveu durante a guerra (1992-1995).

Muitos manifestantes levavam camisetas com fotos de Karadzic e mostraram bandeiras sérvias e cartazes com fotos do ex-presidente servo-bósnio.

O protesto foi organizado pelo nacionalista Partido Democrático Sérvio (SDS), fundado por Karadzic em 1990, apesar de seu nome ter sido apagado da lista de membros em 2001 por causa das fortes pressões da comunidade internacional.

O atual líder do SDS, Mladen Bosic, declarou que o protesto é "uma oração por Karadzic e pelas vítimas desta incrível caça por este homem" e denunciou as pressões que a família do ex-líder sofreu enquanto ele se escondia da Justiça internacional.

Pale, 26 jul (Correio Braziliense) - Milhares de sérvios da Bósnia participaram neste sábado (26/07) de manifestações em várias cidades da Republika Srpska (RS), a entidade sérvia da Bósnia, em apoio a seu antigo líder, Radovan Karadzic. Os manifestantes acenderam velas ao término de marchas pacíficas organizadas pelo Partido democrático da Sérvia (SDS), fundado por Karadzic.

Lideradas pelo atual líder do SDS, Mladen Bosic, cerca de 2 mil pessoas se reuniram em Pale, perto de Sarajevo, feudo de Karadzic durante a guerra da Bósnia, que devastou esta ex-república iugoslava de 1992 a 1995. Os manifestantes carregavam fotos de Karadzic e faixas com a inscrição "herói sérvio". Alguns vestiam camisetas com retratos de Karadzic e do ex-chefe militar Ratko Mladic.

Bosic foi visitar Karadzic na prisão esta semana. O ex-dirigente sérvio-bósnio foi preso na noite de segunda-feira em Belgrado. "O objetivo desta manifestação é expressar nosso apoio a Karadzic, que salvou os sérvios nesta região", declarou Sveto Lucic, 76 anos, um dos fundadores do SDS. "Boris Tadic (o presidente da Sérvia) e seu governo deveriam estar envergonhados, pois eles prenderam o maior herói da Sérvia", acrescentou.

Cerca de mil pessoas também se manifestaram nas ruas de Banja Luka, capital dos sérvio-bósnios. Na manhã deste sábado, o responsável por uma associação de ex-prisioneiros de guerra sérvios anunciou que seus membros estão dispostos a testemunhar em favor de Karadzic. "Queremos defender a verdade, reconhecendo que os sérvios muçulmanos e os croatas também sofreram durante a guerra", disse Slavko Jovicic, também deputado no Parlamento bósnio.

Radovan Karadzic e Ratko Mladic são considerados pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) para a ex-Iugoslávia os principais responsáveis pelo genocídio de Srebrenica, no leste da Bósnia, onde quase 8.000 homens e adolescentes muçulmanos foram mortos em julho de 1995. Foi o pior massacre cometido na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Mladic ainda está foragido.

Belgrado, 22 jul (Correio Braziliense) - A polícia sérvia dispersou nesta terça-feira (22/07) um grupo de cem nacionalistas reunidos no centro de Belgrado para protestar contra a prisão do ex-líder político dos sérvio-bósnios, Radovan Karadzic.


Os manifestantes, sobretudo membros da organização de extrema-direita Obraz, gritavam "traição" assim como os nomes de Karadzic e de seu braço militar, Ratko Mladic, ainda fugitivo e acusado pela justiça internacional de genocídio pelo massacre de Srebrenica. O grupo atirou pedras na polícia, na rua de pedestres Knez Mihailova.

Dezenas de policiais da tropa de choque tomaram posição nas grandes avenidas e na praça mais importante da cidade, para evitar novas concentrações.

Um correspondente da AFP viu entre os manifestantes os líderes ultranacionalistas, Aleksandar Vucic, do Partido Radical Sérvio, e Luka Karadzic, irmão de Radovan.

Karadzic, de 63 anos, um dos fugitivos mais procurados do mundo, foi detido segunda-feira pelos serviços secretos sérvios, 13 anos depois de sua acusação pela justiça internacional.


IMAGENS DE BELGRADO [FoNet]
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26/07/2008

27/07/2008



28/07/2008
29/07/2008




30/07/2008

VÍDEO DE BELGRADO [B92]

YouTube

Obs: E a "indefesa" polícia sérvia, nada de efetivo pôde fazer...

Karadzic: perguntas a respeito de uma fuga de onze anos

Christophe Châtelot
Em Belgrado, Sérvia


Travestido de doutor Dragan David Dabic, um guru "new age" de medicina alternativa, Radovan Karadzic passava despercebido no Ruda Kuca. Este barzinho, cujo nome, bem escolhido, significa "Casa maluca" é um pequeno estabelecimento comum e pouco reluzente plantado na periferia de um bairro de prédios sem graça e anônimos da nova Belgrado. Nele, no decorrer dos nove meses que antecederam a sua prisão, em 21 de julho, o falso doutor Dabic testou em várias oportunidades a eficiência do seu disfarce, desafiando com insolência os investigadores do mundo inteiro, ao freqüentar uma clientela de fato embebida mais que de razão de álcool de ameixa, mas nem um pouco cega.

Vale reconhecer que é difícil estabelecer a relação entre o "doutor Dabic", um curandeiro magnetizador de 63 anos, barbudo e cabeludo, que prometia curar toda e qualquer doença - dos problemas sexuais aos reumatismos -, e o homem do retrato que estava dependurado no alto, numa parede do bar. Naquele retrato, que havia sido colocado entre as fotos do antigo presidente sérvio Slobodan Milosevic (1941-2006) e de Ratko Mladic, o antigo chefe militar dos bósnio-sérvios durante a guerra da Bósnia (1992-1995), Radovan Karadzic aparece com o cabelo comprido e revolto, trajando um macacão de camuflagem caqui, na época em que ele presidia a entidade sérvia da Bósnia. "Eu não conhecia Radovan Karadzic; conhecia sim Dragan Dabic, o médico eloqüente que tratou uma criança autista", jura, não por acaso, Misko Kovijanic, o patrão do bar, exibindo orgulhosamente a sua "guzla", um instrumento tradicional de uma corda só, que o doutor Dabic gostava de ouvir. "Karadzic é um ator", explica o sociólogo Zarko Trebjecanin.

Nada permite apontar precisamente a data em que foi tirada a foto que pairava acima do bar. Era durante a guerra, mas terá sido antes, durante ou depois do sítio de Sarajevo (1992-1995), ou ainda do massacre dos 7.000 muçulmanos de Srebrenica (1994), por conta dos quais ele foi inculpado de genocídio em 1995 pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPIY)? "Eu não conhecia Radovan Karadzic, mas sim um médico que me fez descobrir o mundo da medicina alternativa", responde Mila Cicak, uma mulher morena que desmente os artigos na imprensa, nos quais ela é apresentada como a sua amante. "Eu tampouco o escondia", explicou Mila em entrevista à Associated Press.

Um dos homens mais procurados do mundo, cuja cabeça havia sido colocada a prêmio pelos americanos, valendo uma recompensa de US$ 5 milhões (cerca de R$ 8 milhões), se fundira no meio do cenário daquele bairro popular, um feudo dos ultranacionalistas do Partido Radical. Longe das montanhas da Bósnia ou dos mosteiros ortodoxos onde as tropas da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) o acossavam desde que ele mergulhara na clandestinidade, no início de 1998.

Em Novi Beograd, ele morava não longe do Ruda Kuca, no terceiro andar de um bloco de concreto. "Com quatorze andares onde moram 97 famílias, este é o lugar ideal para os criminosos como ele se esconderem, ou como aqueles, ordinários, do bando de Zemoun (um bairro da periferia de Belgrado)", explica um habitante. "Ele tinha pelo menos quatro esconderijos em Belgrado que estavam sendo vigiados havia várias semanas", confirma um agente de um serviço secreto ocidental.

Segundo a versão oficial, o doutor Dabic foi interpelado na segunda-feira (21) por três membros dos serviços secretos sérvios num ponto de ônibus, da linha 73 do seu bairro. Trajando um terno desgastado e falando com o olhar afogado em meio aos vapores do álcool, o advogado de Radovan Karadzic, Svetozar Vujacic, garante por sua vez que o seu cliente foi "detido dentro de um ônibus, na sexta-feira, e transportado, com os olhos vendados, rumo a um destino desconhecido; neste lugar, ele foi bem tratado durante três dias por um grupo de homens que queriam provavelmente receber os US$ 5 milhões da recompensa".

Ele acrescentou até mesmo que o seu cliente, no momento em que foi preso, estava de partida para uma viagem de férias, no litoral croata. Ele estava carregando um computador portátil, uma mochila nas costas que continha livros e tinha 600 euros (cerca de R$ 1.500) no bolso. "Até então, havia muitos rumores; agora, o objetivo é de induzir dúvidas em relação ao caráter legal da sua prisão, de modo a alimentar uma contestação popular, só que esta não está ocorrendo", analisa Bruno Vekaric, um porta-voz do procurador no tribunal especial da Sérvia para os crimes de guerra. A oposição nacionalista convocou uma manifestação, na terça-feira em Belgrado.

Dejan Anastasijevic, um respeitado jornalista especializado que escreve sobre as questões de segurança na publicação semanal "Vreme", tampouco acredita na versão oficial como se ela fosse a pura verdade, mas não considera isso como um ponto essencial. "Quais foram os serviços secretos que o prenderam: a Segurança do Interior (BIA) ou os "cobras" do exército?", se pergunta, contudo, este jornalista. Ele não exclui, tampouco, que a interpelação tivesse ocorrido na sexta-feira, "com a intenção de interrogar tranquilamente Karadzic, que é um tagarela; além de tudo, isso deu uma folga que permitiu deixar que os deputados partissem em férias, evitando o perigo de que a oposição radical (ultranacionalista) interviesse na tribuna do Parlamento para denunciar a prisão".

Segundo a avaliação do jornalista, que foi confirmada por outras fontes em Belgrado, uma interceptação de uma ligação telefônica que ocorreu há dois meses, entre conhecidos ex-membros das equipes de Radovan Karadzic e Ratko Mladic no tempo da guerra da Bósnia, teria permitido encontrar o paradeiro do doutor Dabic. "Eles provavelmente não sabiam qual dos dois iriam encontrar, mas, por uma vez, eles fizeram o seu trabalho", acrescenta.

Isso porque, apesar dos seus talentos de ator, Radovan Karadzic pôde contar com a cumplicidade passiva de vários aliados que haviam atuado no âmbito do regime anterior, ou mesmo com cúmplices ativos, como aquele funcionário que lhe permitiu obter a segunda via da cédula de identidade de um aposentado vivinho da silva chamado Dragan Dabic. "Os tempos mudaram", afirma Oliver Dulic, um antigo presidente do Parlamento, ministro do meio-ambiente e conselheiro do atual presidente Boris Tadic. "Pela primeira vez desde a queda de Slobodan Milosevic em outubro de 2000, o poder não está dividido. Boris Tadic e o seu Partido Democrata (DS) seguram todas as cartas em suas mãos", confirma um diplomata ocidental.

Desde a vitória do DS nas legislativas de maio, Rade Bulatovic, um sobrevivente da era Milosevic e um aliado do antigo primeiro-ministro nacionalista Vojislav Kostunica, foi substituído no comando do BIA por um jovem profissional acima de qualquer suspeita, Sacha Vukadinovic. Nos últimos tempos, o conselho de cooperação com o TPIY passou a se reunir cotidianamente. O tribunal especial e seus funcionários contam com uma forte proteção. "Os serviços de segurança passaram a atender as ordens de um único patrão, o presidente, e eles começaram a se dedicar a uma busca sistemática", comemora Dejan Anastasijevic.

Agora, o objetivo é de prender os dois últimos criminosos de guerra que ainda estão foragidos, Ratko Mladic e Goran Hazic, este último sendo o antigo chefe da República sérvia autoproclamada de Krajina, na Croácia. Ou, ao menos, trata-se de convencer a União Européia de que tudo está sendo feito para alcançar este resultado, de modo a levantar este que constitui um obstáculo para a incorporação da Sérvia à União Européia, a qual se tornou a prioridade máxima do governo.

Na quinta-feira (24), dentro da célula do tribunal especial de Belgrado onde ele seguiu aguardando a sua transferência para uma célula em Haia (na Holanda, onde está a sede do TPIY), o que ainda não havia ocorrido na segunda-feira (28) o doutor Dabic havia recuperado o seu rosto. Ele estava de barba feita, penteado, emagrecido, como na foto do Ruda Kuca, um barzinho que está prestes a se tornar um local de peregrinação para alguns poucos incondicionais, e um ponto de encontro para muitos outros curiosos. "Eu me pergunto qual será o bar predileto de Mladic em Belgrado", ironiza um cliente.

Ratko Mladic, conhecido como "o açougueiro de Srebrenica", foi visto ao menos duas vezes na capital sérvia: em 2000, nas arquibancadas durante uma partida de futebol, e em 2003, no hospital militar da cidade onde comparecera para submeter-se a uma cirurgia benigna. "Nós vamos terminar o trabalho", promete Oliver Dulic.

Tradução: Jean-Yves de Neufville (UOL)

sexta-feira, julho 25, 2008

Captura de Karadzic serve de pouco consolo em Srebrenica

Dan Bilefsky
Em Srebrenica, Bósnia-Herzegóvina


Fadila Efendik teve pouco tempo para se regozijar nesta semana com a captura de Radovan Karadzic, o homem que ela culpa pela morte de seu único filho: ela estava ocupada demais à procura das partes espalhadas e que faltavam do corpo dele.

Sahbaz Mujcinovic e seus filhos visitam túmulo de parentes mortos em Srebrenica

A prisão na segunda-feira de Karadzic, o líder dos sérvio-bósnios no tempo da guerra que é acusado de ser o mentor do pior massacre desde a Segunda Guerra Mundial, trouxe pouco conforto para Efendik, ela disse.

Ela brincava nervosamente com seu lenço de cabeça e soluçava enquanto revirava inúmeras fileiras de lápides brancas aqui na quarta-feira, em uma área onde as forças paramilitares sérvias sob comando de Karadzic separavam homens e meninos que posteriormente seriam mortos em um frenesi que custou 8 mil vidas.

"Eu me sinto amarga porque demorou muito para encontrarem Karadzic", ela disse. "Restavam apenas duas semanas para o 20º aniversário do meu filho. Eu ainda não consegui encontrar o corpo dele. Eu encontrei alguns ossos do meu marido, mas não o suficiente para enterrá-lo inteiro. Karadzic pode ter sido encontrado, mas agora estou sozinha no mundo."

Quando foi divulgada na segunda-feira a notícia da prisão de Karadzic por crimes de guerra, centenas de muçulmanos foram às ruas chuvosas de Sarajevo, a capital bósnia. A cidade ainda carrega as cicatrizes do cerco brutal de três anos e meio, durante o qual Karadzic é acusado de ter autorizado que civis fossem mortos.

Alguns dançaram e cantaram "Esta é a Bósnia!" - a resposta desafiadora à meta de Karadzic de "limpeza étnica" dos muçulmanos bósnios do país e torná-lo parte da Grande Sérvia. Mais de 10 mil bósnios morreram em Sarajevo durante a guerra.

Mas aqui em Srebrenica, onde ocorreu o massacre, os moradores locais disseram ter pouca fé no processo legal que transcorrerá no tribunal da ONU em Haia, 13 anos após o início da caçada a Karadzic. Alguns temiam que a tragédia da qual é acusado de ajudar a orquestrar estava sendo ofuscada pela triste novela narrada nas primeiras páginas de todo o mundo, detalhando sua fuga como especialista em medicina alternativa, com uma amante, uma falsa família americana e um disfarce elaborado.

Karadzic foi indiciado por genocídio, juntamente com o comandante militar sérvio-bósnio, o general Ratko Mladic, pela mortes durante o cerco a Sarajevo e o massacre em Srebrenica, onde homens e garotos muçulmanos bósnios eram colocados em fila, mortos e enterrados em valas comuns. Mladic ainda está foragido.

Efendik disse que ainda há revolta contra a inação do Ocidente. Em particular, ela apontou para os 300 holandeses da força de paz no enclave protegido pela ONU, onde 40 mil buscaram refúgio antes as mortes. Ela disse que eles deviam ter feito mais para proteger os muçulmanos bósnios da ação das forças sérvias, que em alguns casos roubavam os capacetes e veículos dos soldados da força de paz para atrair e capturar as vítimas que tentavam fugir. Governos holandeses anteriores disseram que a responsabilidade pelo massacre era dos assassinos, não das tropas da ONU.

"A ONU não pôde nos salvar naquele momento. O que fará agora?" disse Efendik.

Ela recordou do dia em que as mortes começaram, quando as forças paramilitares sérvias separaram os homens das mulheres, colocaram as mulheres em caminhões abertos e as levaram para território controlado por muçulmanos. Efendik disse que o caminhão em que ela viajava foi parado ao longo da rota, onde as mulheres foram forçadas a assistir e fazer a saudação nacionalista sérvia de três dedos enquanto as forças sérvias matavam seus pais, irmãos e filhos diante dos seus olhos.

Apenas uns poucos dos 8 mil homens e meninos sobreviveram, alguns fingindo estar mortos e se escondendo sob os cadáveres. Testemunhas disseram que aqueles que restaram foram conduzidos para matas, campos de futebol, depósitos ou campinas, onde foram mortos. Muitos corpos foram posteriormente encontrados em valas comuns com suas mãos atadas às costas.

Hatidza Mehmedovic, presidente das Mães de Srebrenica, um grupo de apoio às vítimas, e que perdeu dois filhos, seu marido, seu pai e dois irmãos durante o massacre, disse que só poderá descansar quando o Ocidente levar à justiça Mladic, que ainda está foragido.

"Karadzic deu as ordens para Srebrenica, mas foi Mladic que as executou", ela disse. "Eu tenho satisfação com a prisão de Karadzic, mas não muda o fato de que Srebrenica continua a ser um espelho para a vergonha do mundo e sua inação. Todos aqueles que podiam ter impedido isto deveriam ver as sepulturas, para que isto nunca mais aconteça de novo."

Mehmedovic disse que tudo o que restou de seus dois filhos, Almir e Azmir, 19 e 21 anos na época de suas mortes, foi uma árvore que Almir plantou no quintal da frente dela e um caderno escolar que Azmir deixou em sua mesa. "Nós esperávamos pelo casamento de nossos filhos, o nascimento de nossos netos, mas agora tudo o que temos são sepulturas vazias."

Ela disse que a prisão de Karadzic era pouco consolo para milhares de famílias como a dela, que não puderam enterrar seus entes queridos porque os peritos só puderam recuperar parte de seus restos mortais. No ano passado, disse, ela encontrou o corpo mutilado de um de seus filhos, mas não soube identificar de qual era. Ela encontrou os ossos de seu marido, mas não o suficiente para enterrá-lo.

Avdo Suljic, 35 anos, um muçulmano bósnio desempregado que perdeu 200 parentes em Srebrenica, com idades variando de 16 a 85 anos, disse que retornou apenas recentemente, por temor de confrontar tantos fantasmas. Ele lembrou de ter conseguido escapar caminhando sete dias pelas montanhas, bebendo água da chuva e se escondendo. "Karadzic é um velho. A prisão dele não mudou nada para mim. Eu não tenho emprego e pouco futuro."

Suljic, que lutou contra as forças bósnias durante a guerra, disse que esta foi economicamente devastadora para a cidade. Ele contou que passava seus dias jogando e bebendo e apontou os dois pontos altos desde que retornou a Srebrenica há dois anos. "Eu encontrei as pernas de meu pai há dois anos, e há duas semanas encontrei sua cabeça".

Tradução: George El Khouri Andolfato (UOL)

terça-feira, julho 22, 2008

Governo da Sérvia anuncia prisão de Karadzic


O escritório do presidente da Sérvia, Boris Tadic, anunciou hoje que o ex-militar e líder sérvio Radovan Karadzic foi detido. Ele é o último dos líderes sérvios procurados pelos tribunais das Nações Unidas por causa dos crimes de guerra cometidos na década de 1990 nos Bálcãs. Karadzic, que estava foragido desde 1998, é suspeito de ter ordenado matanças de muçulmanos eslavos e de croatas na Guerra da Bósnia, entre 1992 e 1995.

Comunicado do governo sérvio informou que Karadzic foi preso "em uma ação dos serviços de segurança da Sérvia." Karadzic foi líder dos sérvios étnicos da Bósnia-Herzegovina, durante a guerra que se seguiu à desintegração da Iugoslávia. Ele é acusado de ser um dos mentores de massacres que o tribunal de crimes de guerra da Organização das Nações Unidas (ONU) descreveu como "cenas do inferno, escritas nas páginas mais negras da história da humanidade".

Cerca de 250 mil pessoas foram mortas na Guerra da Bósnia, que começou em 1992, quando os muçulmanos eslavos e os croatas da Bósnia proclamaram a independência. Os sérvios bósnios organizaram seu exército e começaram a perseguir os croatas e muçulmanos eslavos. Karadzic é acusado de organizar o massacre de Srebrenica, que ocorreu em 1995. No episódio, forças sérvias invadiram a localidade de Srebrenica, que estava sob a proteção da ONU, e mataram 8 mil homens e meninos, no pior massacre na Europa desde o final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

"Esse é um dia muito importante para as vítimas, que esperaram pela sua prisão por mais de uma década," disse o procurador do tribunal de crimes de guerra da ONU, Serge Brammertz. Karadzic, ex-presidente da República Sérvia da Bósnia e ex-comandante supremo do Exército Sérvio da Bósnia, é acusado de genocídio, cumplicidade em genocídio, extermínio, assassinato, perseguições, deportações, atos desumanos e outros crimes cometidos contra muçulmanos eslavos, croatas da Bósnia e outros civis não-sérvios da Bósnia e da Herzegovina. Se ele for extraditado, ele será o 44º suspeito sérvio levado ao tribunal da ONU, na Holanda.

Fonte: Agência Estado

sábado, julho 19, 2008

Gilberto Gil é atração de festival no Líbano

Tariq Saleh
De Beirute para a BBC Brasil


O cantor e ministro da Cultura Gilberto Gil se apresenta neste sábado à noite no Festival Internacional de Beiteddine, no Líbano.

O show é um dos mais esperados do festival e deve atrair a grande comunidade brasileira que vive no país. Gil vai se apresentar para um público libanês apaixonado pela cultura brasileira. "Ter um cantor espetacular como Gilberto Gil é garantia de sucesso entre o público libanês, que sempre apreciou o melhor da música brasileira", diz Nora Jumblatt, diretora do festival e mulher do líder e político druso Walid Jumblatt.

Além de Gil, vários cantores de diferentes países se apresentam no festival de Beiteddine, que começou no dia 11 de julho e termina em 12 de agosto.

Fãs
Apaixonado pela música brasileira, o universitário Mohamed Mekawi já garantiu seu ingresso para assistir ao show do cantor baiano.

"Sempre gostei de músicos como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Adriana Calcanhotto. A música brasileira tem uma energia latina que apaixona, faz a gente se sentir bem", diz Mekawi.

A bancária Michelle Sarkis também não perdeu tempo para garantir seu ingresso tão logo a programação do festival foi divulgada.

"Quando vi que Gilberto Gil estava na programação eu não perdi tempo e fui logo comprando meu ingresso. Estive no Brasil em 2005 e me apaixonei pelo cantor", afirma.

Tradição retomada
O festival de Beiteddine, criado em 1984 em plena guerra civil libanesa (1975-1990), é um dos três grandes festivais de verão do Líbano, que costumam trazer grandes nomes da música internacional para o país.

Além de Beiteddine, há ainda os festivais de Byblos, que existe desde 1988, e o de Baalbek, o mais antigo e um dos mais famosos da região do Mediterrâneo, criado em 1955.

Esses festivais não eram realizados desde 2006, devido ao período conturbado em que ocorreram a guerra com Israel, conflitos internos e um ano e meio de crises políticas que quase levaram o Líbano a uma nova guerra civil.

Agora, sua retomada é vista como símbolo do renascimento do país e da volta do turismo. "Em 2006 os festivais foram anulados devido à guerra com Israel. Depois foram cancelados em 2007 pela guerra entre o Exército os extremistas do Fatah al-Islam. Este ano, quase foram cancelados novamente, mas agora queremos reviver os bons tempos", diz Jumblatt.

Segundo ela, nenhum esforço foi poupado para que o festival em Beiteddine seja um símbolo de união entre libaneses e um atrativo para os estrangeiros, uma forma de comemorar "um novo Líbano".

Palácio
O palco para o show de Gilberto Gil será o palácio de Beiteddine, a antiga e suntuosa residência dos governantes do século 19, a sudeste de Beirute.

Além do brasileiro, cantores como Brandford Marsalis e o seu quarteto de jazz e o popstar nascido no Líbano Mika farão apresentações no festival.

"Depois de períodos difíceis, o que veremos neste verão será a verdadeira imagem do Líbano", afirmou o ministro do Turismo libanês, Joe Sarkis, durante uma coletiva de imprensa em Beirute quando os três festivais foram lançados, em junho.

Racismo penetra nas escolas da Espanha

Dois terços dos alunos se recusam a estudar junto com marroquinos e ciganos

Antía Castedo e Anaís Berdié
Em Madri


Um balde de água fria em plena discussão sobre a integração nos colégios. Os estudantes espanhóis são pouco tolerantes com os estrangeiros, principalmente se tiverem de ficar ao lado deles na escola. A maior discriminação é dirigida aos marroquinos e aos ciganos. Quase dois terços dos estudantes de segundo grau espanhóis não gostariam de compartilhar tarefas com estrangeiros, segundo um estudo do Observatório Estatal de Convivência Escolar, órgão do Ministério da Educação.

A pesquisa foi realizada entre 23.100 estudantes do segundo grau e mais de 6.000 professores em 300 colégios públicos e privados de todas as comunidades autônomas, exceto Catalunha. Procurou-se determinar a qualidade da convivência nas escolas e os obstáculos que se apresentam para alcançá-la.

A disposição dos jovens para dividir tarefas com alunos estrangeiros melhora um pouco em relação aos latino-americanos ou os procedentes da África negra, mas continua negativa. Quase a metade dos adolescentes espanhóis (46%) está nada ou pouco disposta a trabalhar e estudar com um latino-americano. E mais da metade recusaria um judeu como companheiro de carteira. Os mais aceitos são os europeus ocidentais e os americanos.

Os coletivos de estudantes ciganos, judeus e marroquinos estão "sob um risco muito sério de sofrer intolerância", na opinião de María José Díaz-Aguado, diretora do estudo e catedrática de psicologia da educação na Universidade Complutense de Madri. É um fato grave porque, segundo a especialista, "não houve uma melhora nos últimos anos" em relação a essas minorias.

Esses resultados "só fazem confirmar a reprodução de discursos racistas dos adultos em relação a grupos muito estigmatizados pela sociedade". É a opinião de Silvia Carrasco e Maribel Ponferrada, do grupo de pesquisa Emigra da Universidade Autônoma de Barcelona. Segundo os dados de um estudo sobre convivência e conflito realizado nos colégios secundários da Catalunha, os alunos estrangeiros "sofrem um maior número de situações de intimidação e de agressões verbais e físicas" que os demais.

A essência dessa rejeição, na opinião de Mariano Fernández Enguita, catedrático de sociologia na Universidade de Salamanca, são os preconceitos e o choque entre diferentes modos de vida. "A escola é um pequeno microcosmo que corresponde à sociedade ao redor", ele afirma, e conclui que exatamente por isso é o melhor lugar para se aprender a conviver. Os dados expostos nessa sondagem da opinião dos alunos não é o que preocupa esse especialista em educação intercultural, mas sim "se os colégios têm ou não projetos" para ajudar a melhorar esses problemas.

A disposição negativa para trabalhar com determinados estrangeiros nas classes não se traduz, porém, em atitudes violentas dos adolescentes em relação às minorias. Mais de 90% dos estudantes secundários não apóiam os grupos que promovem a xenofobia ou a violência contra marroquinos, ciganos e judeus, e continua havendo 8% que declaram abertamente sua simpatia por eles. O racismo explícito pode levar esses estudantes a ser captados pelos grupos xenófobos e violentos. Algo que é preocupante, porque "o racismo e a rejeição à democracia andam juntos", salienta Díaz-Aguado.

Na opinião do catedrático Fernández Enguita, estamos vivendo um momento de "ressaca" diante da imigração, "alimentado pelo debate político e a crise econômica", mas que não considera especialmente alarmante. O que o preocupa é que os colégios costumam ser "disciplinados no formal", isto é, politicamente corretos na hora de falar de tolerância e respeito, mas o simples discurso "não garante absolutamente que a escola preste essa ajuda".

A solução, segundo o especialista, começaria com a elaboração de projetos concretos que ensinem os jovens a enfrentar os problemas de convivência. Enquanto quase 90% dos professores que responderam à pesquisa do Ministério da Educação pensam que em seus colégios se trabalha para promover uma boa recepção aos alunos estrangeiros, só 64% dos alunos concordam.

A mesma maioria (70%) de professores acredita que na escola se fala de racismo e dos danos que ele provoca, como de estudantes que não percebem absolutamente isso. E um em cada quatro alunos pensa que a tolerância e o respeito às culturas não são incluídos em sua formação antiviolência.

Assediados por ser gordos
O assédio escolar afeta pela primeira vez de forma visível os alunos com alguns quilos a mais. Quase 30% dos agressores justificam sua atitude diante do companheiro porque "está gordo", e as vítimas têm a mesma percepção. Isto talvez se deva, segundo a diretora da pesquisa do Observatório Estatal da Convivência, a uma mudança de valores que dá cada vez mais valor à imagem física.

A pesquisa do Ministério da Educação também salienta que "80% dos alunos rejeitam as condutas violentas". No entanto, 3,8% declaram ter sofrido assédio com freqüência ou muitas vezes nos últimos dois meses, e 2,4% reconhecem que foi o agressor.

Outras características que tornam as vítimas mais vulneráveis, segundo os assediadores, são que "estão isoladas" ou que "não se defendem". Os alunos estrangeiros também não se saíram bem nessa ocasião. Quase 18% dos assediadores admitem que os alunos ciganos ou procedentes de outro país podem ser vítimas mais facilmente. A mesma porcentagem acredita que a cor da pele é uma característica relevante.

Díaz-Aguado considera que os resultados, que estão na mesma linha de estudos anteriores como o realizado pelo Defensor do Povo sobre violência escolar em 2006, indicam que "houve um avanço importante na prevenção e no tratamento do assédio escolar". Os alunos mostram-se muito mais dispostos que antes a recorrer aos professores.

O trabalho também questiona o tema da violência de gênero. Os especialistas dizem que nas escolas se avançou muito em termos de igualdade, algo que é corroborado pela diretora desse estudo. Diminuiu o número de alunos que justificam a violência contra as mulheres. No entanto, 4% ainda acreditam que é razoável que um homem agrida sua mulher ou sua namorada quando ela decide deixá-lo. Isso implica um claro risco de que se acabe reproduzindo a violência de gênero, segundo Díaz-Aguado. E 7% dos pesquisados consideram que "o homem que parece agressivo é mais atraente".

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves (UOL)

domingo, julho 13, 2008

Brasil e Indonésia fecham acordo de cooperação em biocombustível

JACARTA (Reuters) - Os presidentes da Indonésia e do Brasil concordaram no sábado que as duas nações em desenvolvimento, sede de grande parte das florestas tropicais restantes, vão cooperar em programas de biocombustíveis após discussões sobre mudanças climáticas e alimentos.

As nações assinaram um acordo para que a Indonésia envie especialistas ao Brasil para estudar a tecnologia dos biocombustíveis, disse o presidente da Indonésia, Susilo Bambang Yudhoyono.

"O Brasil tem sido bem-sucedido na produção de etanol, e é claro que a Indonésia pode aprender com sua pesquisa e seus desenvolvimentos", disse Yudhoyono em uma entrevista coletiva após negociações com o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva.

O Brasil, pioneiro no uso em grande escala de etanol em veículos, vem misturando o combustível produzido a partir da cana-de-açúcar com gasolina há décadas, assim como abastece grande parte de seus veículos com etanol puro.

A Indonésia, o maior produtor de óleo de palmeira do mundo, também vem impulsionando o uso de biocombustíveis para reduzir o uso de derivados do petróleo e quer tornar obrigatório o uso de 2,5 por cento de mistura de biodiesel até setembro.

O setor de biocombustíveis vem sendo atacado por grupos ambientalistas por acelerar a destruição das florestas, enquanto alguns analistas o culpam por contribuir com o aumento do preço internacional dos alimentos por utilizar terras que poderiam ser destinadas à produção de alimentos.

O presidente brasileiro defende os biocombustíveis e acusa especuladores internacionais de contribuírem com o atual aumento de preços de alimentos e combustível.

"Primeiro de tudo, não é a produção de etanol ou de biocombustível que é responsável pelo aumento no preço da comida", disse Lula.

Os problemas com alimentos podem ser amenizados por um acordo na rodada de Doha, que dê acesso para produtos agrícolas ao mercado internacional, afirmou Lula.

O presidente brasileiro também disse que países ricos deveriam fazer mais para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global.

"Ninguém quer preservar nossas florestas mais do que nós, mas os países que mais poluem têm que começar a discutir mais seriamente como reduzir as emissões de gases de efeito estufa", defendeu Lula.

(Reportagem de Telly Nathalia)

sábado, julho 12, 2008

O policial que escavou os horrores de Srebrenica

Meg Bortin
Em Paris


Há policiais que gostam das luzes da televisão e há aqueles que fazem o trabalho. Jean-Rene Ruez é do segundo tipo. Ele foi com sua pá em busca de evidências - "restos humanos múltiplos" - quando era o principal investigador de Srebrenica, onde milhares de muçulmanos bósnios foram assassinados em julho de 1995, no pior massacre de Europa desde a Segunda Guerra mundial.

Ruez, oficial de polícia francês, foi a figura central no estabelecimento dos fatos sobre esses homicídios. Ele sabe melhor do que qualquer um como cerca de 8 mil homens e meninos fugindo de Srebrenica foram cercados pelas forças sérvias na Bósnia, assassinados, enterrados em valas comuns e transferidos para outros locais para esconder as evidências daquilo que tinha sido oficialmente classificado como genocídio.

Muçulmanas choram durante sepultamento de parentes, vítimas do massacre de Srebrenica


Desde que deixou a investigação na Bósnia em 2001, Ruez carrega caixas de vídeos, arquivos e outras evidências com ele em torno do mundo, para ter as provas à mão quando chamado para testemunhar contra os criminosos de guerra. Hoje, apesar de ter passado para uma linha de trabalho menos angustiante, ele continua a perseguir o que ele vê como uma busca inacabada por justiça.

"Não se deve acreditar que é uma obsessão para mim", disse Ruez, 47, em entrevista. Mesmo assim, ele está preparado para testemunhar em qualquer momento contra os homens procurados por crimes de guerra em Srebrenica, especialmente Ratko Mladic e Radovan Karadzic, que foram os líderes sérvios civis e militares na Bósnia e ainda estão foragidos.

"É totalmente inaceitável, uma vez que há evidências e os tribunais determinaram que o crime deve ser rotulado como genocídio, que apenas os subalternos de Mladic e Karadzic estejam atualmente presos", disse Ruez. "Eu fui interrogado cinco vezes, eu acho. Não tenho nenhum prazer em testemunhar. Não sinto vontade. Só quero que a justiça seja feita. Não apenas pelas vítimas, mas para todos os europeus - e toda a humanidade."

Ruez ficou tão marcado por sua experiência na Bósnia que nem seu sorriso alegre consegue apagar a sombra permanente em seus olhos. Ele pediu que sua atual localização não fosse revelada por preocupação que certos perpetradores de Srebrenica tivessem algo contra ele.

Em breve ele emergirá das sombras, entretanto, com a estréia neste outono de um filme francês sobre seu trabalho, "Resolution 819", dirigido por Georges Campana, com Benoit Magimel como Ruez.

Antes de ser nomeado para chefiar o que se tornou a maior investigação criminal na Europa desde a Segunda Guerra mundial, Ruez certamente não parecia um cruzado da justiça. Ele era chefe do esquadrão de crimes da cidade de Nice, tendo aprendido em seu treinamento da polícia "a incrível diversão de caçar criminosos".

Ainda assim, de muitas formas, disse ele, seus primeiros anos o prepararam para uma missão maior. Apesar de seu pai ser francês, sua mãe era alemã e, enquanto o criava no subúrbio arborizado de Paris de Saint-Clud, ela transmitiu a culpa que sentia com as atrocidades nazistas. Mais tarde, durante o serviço militar na Alemanha, ele teve uma experiência de geopolítica quando pacifistas - "pacifistas muito agressivos" - deram uma surra em jovens soldados franceses por serem contra o emprego de mísseis nucleares em solo alemão.

Depois do exército, Ruez estudou direito e entrou para a escola de elite francesa para comissários de polícia. Ele foi trabalhar com a polícia criminal em Paris, Marselha e depois Nice, onde, em 1994, ele soube que o Tribunal Internacional Criminal para a ex-Iugoslávia queria contratar investigadores de polícia.

"Eu me inscrevi imediatamente, porque eu tinha a forte sensação que esta guerra seria investigada e que os criminosos de guerra seriam punidos. Na Europa era tão inaceitável - com a experiência que tivemos da Segunda Guerra Mundial - que tais crimes não fossem investigados e punidos. E eu absolutamente queria fazer parte disso", disse Ruez.

O comissário de polícia entrou para o tribunal em Haia em abril de 1995 e foi enviado diretamente para o campo.

"Eu fazia parte do grupo investigando o cerco de Sarajevo em julho de 1995 quando Srebrenica caiu, e os primeiros rumores de um massacre chegaram à imprensa", disse ele.

No caos das guerras iugoslavas, Srebrenica tinha sido designada como "área segura" pela Organização das Nações Unidas, mas o Ocidente ficou assistindo parado enquanto a cidade, de maioria muçulmana, foi cercada por sérvios bósnios. Quando a cidade caiu, nos dias 11 e 12 de julho, refugiados em pânico procuraram abrigo nas instalações da ONU, mas as forças holandesas da ONU foram superadas pelos sérvios que avançavam. Os homens muçulmanos foram separados das mulheres, torturados e mortos. Separadamente, uma coluna de homens e meninos dirigiu-se para o norte, mas muitos foram capturados e mortos pelos sérvios.

As reportagens sobre as atrocidades sendo cometidas foram mínimas, pois os repórteres não eram capazes de chegar à área escarpada e poucos sobreviventes conseguiam chegar ao mundo exterior. Quando Ruez conseguiu alcançar a cidade muçulmana bósnia de Tuzla, no dia 20 de julho, apenas uma testemunha apresentou-se. Este foi seu ponto de partida.

"Quando a investigação de Srebrenica começou, a primeira fase foi de reconstrução dos eventos", disse Ruez. Para isso, ele contou com as testemunhas. Havia fotografias tiradas por aviões de reconhecimento U2 americanos, mas eram virtualmente inúteis sem a ajuda dos sobreviventes. "Uma fotografia de um U2 tem trinta quilômetros quadrados", disse Ruez. "Você pode fazer zoom, mas precisa saber o que procurar."

Ruez e sua equipe de várias nacionalidades de investigadores - dos EUA, Reino Unido, Suécia, Noruega, Paquistão, Austrália e Nova Zelândia - tinham que encontrar provas da carnificina: restos humanos, em outras palavras. Como mais de 8 mil pessoas estavam desaparecidas, a tarefa era enorme.

Os investigadores localizaram alguns locais onde os corpos haviam sido enterrados, graças em grande parte aos relatos das testemunhas. Mas logo antes do processo de paz na Bósnia ser firmado em Dayton, Ohio, em novembro de 1995, "os sérvios removeram os corpos das valas comuns" e os levaram para novas localizações secretas. A princípio, isso confundiu os investigadores.

"Estávamos sob a vigilância da inteligência sérvia em 1996", lembra-se Ruez. "Eles sabiam que tínhamos encontrado os pontos de enterro iniciais. Mas eles estavam rindo e tomando 'slivovitz' à noite porque sabiam que as evidências dos crimes tinham sido apagadas."

Gradualmente, a equipe de Ruez entendeu o que tinha acontecido. "Por exemplo, encontrávamos apenas 110 corpos amontoados em um local onde nossas informações indicavam que 1.200 pessoas haviam sido assassinadas. E alguns desses corpos tinham sido partidos com tratores. Então era óbvio que tinham sido removidos."

Quando os investigadores tiveram certeza do que tinha acontecido - "um crime dentro de um crime", diz Ruez - eles usaram as imagens aéreas para tentar localizar as valas secundárias. Os especialistas fizeram buscas com sondas e quando encontravam evidências de restos humanos, Ruez pegava sua pá.

As valas secundárias "estavam disseminadas em lugares remotos cheios de minas terrestres", lembra-se. "Toda vez que eu entrava, ficava impressionado de sair com duas pernas."

Quando Ruez finalmente deixou o tribunal, em 2001, estava tão exausto que tirou dois anos de licença, mudou-se para o Caribe e levou seus arquivos com ele. Quando voltou à polícia na França, trouxe os arquivos de volta.

"Eu carrego os arquivos onde quer que eu vá", disse Ruez, que agora trabalha em um escritório ensolarado com ar-condicionado e tem uma mesa coberta de papéis - jornais antigos sobre Srebrenica, mas também uma lista de restaurantes e bares locais. Ele está trabalhando em um anexo de uma embaixada francesa e ajuda a polícia local a combater de tudo, desde a imigração clandestina até incêndios florestais.

Em sua nova encarnação longe dos campos de morte, Ruez não desistiu de sua busca para lembrar o público que Mladic ainda está foragido. Ele alega que, para a Sérvia unir-se à União Européia, primeiro terá que entregar o general que liderou o assalto sérvio na Bósnia.

"Integrar a Sérvia com Mladic solto? Desculpe-me, mas não vou me sentir europeu", disse ele citando o lema usado com sua equipe: "Não há paz sem justiça."

Tradução: Deborah Weinberg