Talvez seja programa sombrio demais para uma abertura de festival. Mas 10+4, que dá a partida segunda-feira [02/06] no Femina – Festival Internacional de Cinema Feminino 2008, é uma experiência de cinema para não deixar ninguém indiferente.
Quem a conduziu, na frente e atrás das câmeras, foi Mania Akbari. Você se lembra dela como protagonista de Ten (Dez), de Abbas Kiarostami, trajeto automobilístico no meio-fio entre o documentário e a ficção. Mania, 33 anos, não é uma atriz apenas. É uma pintora de vanguarda desde 1991, videoartista, diretora de fotografia de filmes independentes iranianos e assistente de direção em docs. Seu trabalho, seja na abstração pictórica, seja na experimentação audiovisual, reflete sobre dilemas da condição feminina, especialmente no Irã.
Kiarostami levou isso em conta ao chamá-la para protagonizar Ten. Desde então, Mania co-dirigiu o doc Crystal (2003) e dirigiu seu primeiro longa fic, 20 Dedos, uma sucessão de momentos de um casal bastante marcada pela influência de Kiarostami. Foi o próprio Abbas quem sugeriu a Mania rodar uma continuação de Ten, quatro anos depois. 10+4 parte da mesma situação: Mania dirige um carro pelas ruas de Teerã e conversa com seus caronas. O primeiro é o filho Amin, alguns anos mais velho, interessado agora não mais em afrontar a mãe, mas em especular sobre sexo e amor.
O procedimento automobilístico vai mudando à medida que o estado de saúde de Mania se deteriora. Ela está em luta contra um câncer de mama. A quimioterapia tornou dispensável o véu sobre os cabelos, mas sua expressão mantém a mesma força. Mania é uma mulher e tanto. Pena que não pôde atender ao convite para vir ao Femina – que vai exibir também suas obras de videoarte na quarta-feira. Em 10+4, quando fica impossibilitada de dirigir, ela passa a conduzir seus encontros no banco traseiro do carro. Numa cena impressionante, perturbada por algum sintoma desagradável, ela se ausenta mentalmente enquanto duas amigas conversam ao seu lado.
Ainda teremos cenas de Mania num teleférico e num quarto de hospital, mas a ênfase não está no sentimentalismo. Diante dessa câmera fixa, desencarnada, sem um olho humano por trás, ela investiga o interior de sua alma. É como se fosse uma câmera de vigilância voltada para dentro da realizadora-paciente. A linha que separa a arte da vida é cruzada todo o tempo porque Mania resiste em separar os dois territórios. Assim como as canções que ela, mesmo enfraquecida, teima em entoar no hospital, o filme é uma instância de intercâmbio afetivo, um ato de fé na sobrevivência.
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