Muhammad Yunus, 67 anos, é um homem cheio de títulos. Ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2006 e presente na lista das 25 Pessoas Mais Influentes do Mundo dos Negócios, publicada pela The Wharton Business School, Yunus tornou-se conhecido depois que decidiu abrir um banco (o Grameen Bank) para ajudar os pobres de Bangladesh. A idéia surgiu em 1974, quando emprestou US$ 27 para um grupo de 42 artesãos tocar o próprio negócio. Conhecido como o "banqueiro dos pobres", Yunus falou à DINHEIRO dias antes de viajar ao Brasil, onde encontrará o presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante o Fórum Internacional de Comunicação e Sustentabilidade, em junho. DINHEIRO - Por que o microcrédito é um sucesso em países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos? DINHEIRO - O sr. já disse que a pobreza é conseqüência da atual ordem econômica e social. Dessa forma, o sr. está sugerindo que a solução para a pobreza não está nas mãos dos pobres? DINHEIRO - Mas o sr. acredita que o pobre é uma vítima? DINHEIRO - É possível eliminar a pobreza de uma vez por todas? DINHEIRO - Qual sua opinião acerca do programa do governo brasileiro, o Bolsa Família? DINHEIRO - No Brasil, o destaque principal como política dita geradora de renda é o Bolsa Família. Se o microcrédito parece ser tão eficiente, por que abraçar uma proposta como a brasileira? DINHEIRO - O sr. é contra a política de dar esmolas aos pobres? DINHEIRO - Os bancos no Brasil obtêm lucros, em parte, graças aos empréstimos a taxas de juros elevadas. São empréstimos para pagamento a longo prazo, com os quais as pessoas estão comprando tevês, carros, entre outros itens. Como o sr. vê isso? DINHEIRO - Criou-se uma necessidade irreal? DINHEIRO - Se está provado que o microcrédito funciona melhor, por que então os governos trilham outro caminho? DINHEIRO - O sr. estava muito empolgado com um projeto para melhorar a vida das pessoas pobres, utilizando a internet. Como anda essa iniciativa? DINHEIRO - E do que se trata esse acordo? É para a criação de softwares ou hardwares mais baratos? DINHEIRO - Já estão sendo criados vários produtos de baixo preço nesse sentido. Seria mais um?
MUHAMMAD YUNUS - Trata-se de um serviço financeiro necessário em qualquer lugar. Em países emergentes, em países pobres e em países ricos. Isso porque os bancos convencionais não abrem suas portas a pessoas com baixo nível de rendimentos. Essas pessoas não têm nenhuma chance com os bancos, e então se tornam vítimas de agiotas. O que fizemos, então, foi desenvolver um sistema de empréstimos, que funciona muito bem para pessoas de baixa renda. Podemos emprestar dinheiro sem exigir cauções, sem a intervenção de advogados, e mesmo assim garantir um resul- Entrevista / Muhammad Yunus tado de adimplência de 98% a 99%. Independentemente de qual seja o país, esse sistema funciona muito bem, porque estamos lidando com atividades geradoras de renda.
YUNUS - A pobreza não é criada pelo povo pobre. Ela é criada pela ordem econômica e social. Portanto, se queremos acabar com a pobreza, temos que introduzir mudanças nessa ordem. Temos que reprojetar tais instituições, econômicas e sociais, e os conceitos que tiveram seu papel na criação da pobreza. Não está nas mãos das pessoas pobres. Se lhes dermos oportunidades, elas serão capazes de cuidar de si mesmas e tirar a si mesmas da pobreza. É uma questão de remoção de obstáculos, e não de mudar as pessoas. As pessoas pobres são plenamente equipadas para a ação. Pessoas pobres são tão capazes quanto qualquer outra pessoa. A diferença é que o sistema não trabalhou a seu favor. Precisamos fazer o sistema mudar.
YUNUS - Sim, os pobres são vítimas, porque a pobreza é uma situação artificial, imposta pelo ser humano a seus iguais. Portanto, é uma imposição artificial, que vem de fora. Não é criada a partir das pessoas. Por isso, temos que protegê-las dessa imposição, e viabilizar um ambiente que permita tirá-las da pobreza.
YUNUS - Sim, acredito que sim. Porque se introduzirmos modificações no sistema poderá acontecer o que ocorreu depois de termos introduzido mudanças no sistema financeiro, criando condições dentro de um banco. Nós aprendemos que um banco pode apenas fomentar programas para a elite, mas nós dissemos: "Não, os bancos podem trabalhar com os pobres, e até mesmo com mendigos, emprestando dinheiro aos mais pobres, aos pedintes." Temos sete milhões e meio de tomadores de empréstimos, dos quais 97% são mulheres extremamente pobres, destituídas de meios. Elas tomam dinheiro emprestado e mudam suas vidas. Tudo o que fizemos foi criar uma modalidade, um canal direcionado aos mais pobres, e aquelas pessoas estão mudando suas vidas. Elas podem mudar sua vida em qualquer lugar do mundo, se tiverem essas mesmas condições, ou seja, a disponibilização do microcrédito. E esta é apenas uma intervenção. Há muitas, muitas outras intervenções, que podem ser acrescentadas a essa. Estou falando em mudança do conceito de negócio. Hoje em dia existe apenas um tipo de negócio. Há negócio para gerar dinheiro e maximizar os lucros. Entretanto, existe um outro tipo de negócio. O negócio para fazer o bem, ou seja, para criar uma empresa sem perdas e sem distribuição de dividendos. Criamos dois tipos de negócios e, nesse processo, estamos modificando a vida das pessoas para que saiam da pobreza.
YUNUS - Trata-se de uma abordagem diferente da nossa. Não damos capital para consumo porque, se alguém toma financiamento para fazer compras, dificilmente devolve esse recurso de alguma forma. O que fazemos é fornecer empréstimos para geração de renda. Se alguém toma emprestado e emprega "nosso dinheiro" em uma atividade geradora de renda, essa pessoa retira o dinheiro para consumo do seu próprio dinheiro, advindo da atividade geradora de renda, em vez de utilizar o dinheiro do empréstimo. Se recebem dinheiro para adquirir produtos, as pessoas não vão mais se preocupar em "ganhar dinheiro".
YUNUS - Não conheço os detalhes. Por isso não devo fazer comentário apressado sobre esses planos. Quando eu for ao Brasil, terei melhor compreensão desses programas. Então poderei fazer minha avaliação e expor o que penso acerca deles. O que posso adiantar é que não é bom simplesmente viabilizar dinheiro para consumo, porque não encoraja as pessoas a agirem por si mesmas.
YUNUS - Os pobres precisam de doações, não de esmolas. Minha posição é que doações devem constituir um crédito temporário, e não serem feitas permanentemente, de modo que as pessoas se tornem acostumadas a elas e não façam nenhum trabalho. Deve haver um limite de tempo para que cada pessoa receba uma doação. Esta doação deve ir diminuindo com o passar do tempo, até que, ao final daquele tempo-limite, a pessoa seja capaz de cuidar de si mesma com os seus próprios esforços. Deveríamos, ao longo de um determinado período, criar um ambiente em que essas pessoas possam usar o seu próprio talento e a sua criatividade para que se tornem independentes da caridade.
YUNUS - Não gosto disso. Sempre me opus a essa postura. Estes são empréstimos para consumo. Eles estão fazendo as pessoas consumirem mais, em vez de estimulá-las a ganhar mais, usando a sua própria capacidade. Os empréstimos convencionais visam ao lucro para as instituições que emprestam. As instituições não estão preocupadas com os pobres, por isso, as taxas são tão altas. A pessoa fica tão envolvida que não se importa de pagar seja o que for para conseguir o carro, a geladeira ou outro item qualquer.
YUNUS - Sim, criou-se essa necessidade. Isso se chama superconsumo. Elas compram mais do que precisam. Não é apenas prejudicial a elas mesmas, mas prejudicial para o país. Também é danoso para todo o planeta, pois, com o tempo, essa atitude supera o patamar convencional de desperdício. Os recursos do planeta estão sendo desperdiçados.
YUNUS - Eu também não entendo. Estou amplamente convencido de que o microcrédito é um bom meio de levar os serviços financeiros até as pessoas pobres. É preciso criar um ambiente favorável à sua criação, a fim de que os bancos de microcrédito possam emprestar dinheiro às pessoas pobres. Esses bancos devem ser projetados como um negócio social, não para gerar lucro, mas para ajudar as pessoas a saírem da pobreza. Não devem tornar-se uma nova classe de agiotas, que venha a usar os pobres para enriquecer. Isso terá que ser feito de acordo com a lei. A formulação legal deve fazer com esses bancos entendam que o microcrédito é um negócio social.
YUNUS - Estou muito motivado com esse projeto. Acredito que uma pequena parte do potencial da internet tem sido usada em benefício dos pobres. O que estamos tentando agora é apenas uma pequena ponta de um grande iceberg. Há infinitas possibilidades de colocar a tecnologia da informação a serviço dos pobres. Dessa forma, eles podem ser capacitados, podem encontrar sua fortuna, construir uma vida melhor para si e mudar a vida de seus filhos. Portanto, estou estimulando todas as empresas de tecnologia da informação a ficar atentas a isso. Recentemente criei uma joint venture com a Intel.
YUNUS - Estamos tentando fazer ambos, software e hardware. Projetaremos chips e dispositivos para serem usados somente pelas pessoas pobres, com foco em suas necessidades. Portanto, esse é o tipo de expectativa que temos: envolver instituições para pesquisas, instituições acadêmicas, especialistas em tecnologia da informação, que possam usar seus conhecimentos para tratar dessa questão.
YUNUS - Temos inúmeros chips e produtos, mas são para o uso de pessoas privilegiadas. Não há softwares para ajudar os pobres a resolverem seus problemas básicos. Não temos chips para ensiná-los a gerar a sua própria renda ou tomar conta do seu dinheiro e da sua saúde, por exemplo. É nisso que estamos pensando: num pacote com produtos e programas que sejam focados nessa necessidade. Mas isso ainda está em evolução.
Veículo: Isto É Dinheiro
Publicado em: 26/05/2008
Um comentário:
como faço para entrar em contato com Grameen Bank, quero fazer um cadastro nesse banco meu e mail é: filomena-borges@hotmail.com. entre em contato por favor. obrigado!
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