Islamita marroquina Nadia Yassine - 'Nossa religião é boa para as mulheres'
Daniel Steinvorth
Ela é uma das figuras de oposição mais famosas do Marrocos, já foi levada ao banco dos réus várias vezes por suas críticas à família real e é uma feminista confessa. Em uma entrevista para a "Spiegel Online", a islamita Nadia Yassine discute sua oposição à monarquia do Marrocos e a situação das mulheres.
Spiegel: Sra. Yassine, como é possível ser uma islamita e feminista ao mesmo tempo?
Yassine: Estes são apenas rótulos. Simplificar as coisas vem da lógica da mídia. Mas falando sério: a história do movimento das mulheres no Ocidente se desdobrou de forma completamente diferente daqui. Ela é baseada em outras tradições e busca metas diferentes. Visto de forma superficial - se tudo o que importa são os direitos das mulheres - você pode me chamar de feminista se quiser. Mas eu falo por uma cultura diferente, a islâmica. Nossa religião é muito boa para as mulheres. Na teoria, nos nossos textos sagrados, nós temos muitos direitos. Mas os homens, estes pequenos machistas, nos roubaram isto. É por culpa deles que o mundo todo acredita no oposto.
Spiegel: O movimento secular das mulheres no Marrocos tem uma visão completamente diferente: ele acredita que certas tradições muçulmanas são culpadas pela opressão às mulheres.
Yassine: As feministas seculares são apenas parte de uma pequena elite. Elas vivem em uma bolha intelectual. Elas imitam o Ocidente. Elas se afastaram da cultura islâmica. Elas são seguidoras de pequenos partidos políticos que são dependentes do rei. Isto por que, mais do que qualquer outra coisa, elas querem defender seus privilégios. Os islamitas, por outro lado, são populares. Eles representam o povo. Pois o fato é que estamos vivendo em uma sociedade muçulmana.
Então lhe pergunto: como o movimento das mulheres deve funcionar com base nos valores islâmicos? Nossa religião é muito mais capaz de solucionar os problemas sociais do que os modelos ocidentais que apenas beneficiam a elite. Se você solucionar os problemas sociais, você também ajuda as mulheres. As mulheres não têm problemas com o Islã. Elas têm problema como o poder.
Spiegel: Mas o rei do Marrocos fez muito pelas mulheres. Em 2004, ele reformou a arcaica lei de família do país, de forma que a poligamia agora só é possível com limitações, e o casamento forçado foi proibido, assim como a violência doméstica. Mas a senhora ainda assim rejeitou estas reformas, por quê?
Yassine: Eu não me opus por motivos religiosos, mas sim políticos. Eu também queria uma melhora da situação das mulheres. É claro que é direito das mulheres ter mais liberdades. Mas como isto fica na prática? Como uma mulher pode fazer uso de seu direito ao divórcio, por exemplo, se ela não tem emprego após o divórcio e vai parar na rua? Nas áreas rurais, agora há bem mais casamentos ilegais. Lá, as mulheres têm esta escolha: ou se prostituem, ou se casam ou migram para as cidades grandes. O rei aprovou uma lei para as mulheres que freqüentam colégios, mas não para a cidadã rural média.
Spiegel: Mas as coisas não estão avançando em uma boa direção no Marrocos? Em comparação a outros países árabes, pelo menos há um certo senso de estabilidade.
Yassine: Há estabilidade, mas não durará muito. Os estrangeiros que nos visitam e vêem os bairros limpos de Ravat e Casablanca ficam com uma primeira impressão completamente falsa. Há um grande desespero nos bastidores. O governo pode ter melhorado a situação legal para as mulheres, mas ainda não há empregos para os jovens do país. As favelas estão crescendo e não há um sistema de saúde funcionando. Eu nem ousaria colocar o pé em alguns bairros. A violência lá é tremenda.
Spiegel: E o que a senhora faria diferente? Como seria um Estado muçulmano baseado em suas idéias?
Yassine: O Islã que queremos reviver é um Islã de diálogo. Nós somos uma organização política e social, mas também somos um movimento espiritual, não-violento. Nós acreditamos que o Alcorão transmite uma mensagem universal. Nós criticamos o fato do Marrocos ser uma monarquia hereditária autoritária. Muitos no Ocidente acreditam que as sociedades árabes devem automaticamente ser despóticas, mas isto não é verdade. Um modelo muçulmano de governo de acordo com nossas idéias é basicamente um exemplo de democracia popular, se quiser.
Spiegel: A senhora deseja abolir o Estado secular?
Yassine: Para mim, o secularismo é um mito. Afinal, o rei só permite uma separação limitada dos poderes. O que queremos é uma verdadeira democracia e transparência. Nós exigimos um pacto muçulmano que inclua todos os grupos sociais - um que funcione de acordo com o mínimo denominador comum neste país: o Islã. Esta aliança deve desenvolver uma nova Constituição, que não mais sirva à autocracia.
Spiegel: Uma Constituição baseada na lei islâmica, a sharia?
Yassine: Se esta for a vontade democrática do povo, então sim.
Spiegel: Em maio de 2003, mais de 40 pessoas morreram em ataques suicidas de fundamentalistas islâmicos em Casablanca. Neste ano, ocorreram mais ataques terroristas. Como a senhora conseguiu se distanciar dos criminosos violentos dentro do campo islamita?
Yassine: Infelizmente eu tenho que dizer que novos ataques são tão possíveis quanto o risco de um golpe de Estado. Afinal, o contexto econômico não mudou. Enquanto vocês no Ocidente têm uma sociedade civil que funciona, sindicatos e uma classe média há décadas, nós basicamente temos uma classe alta que se enriquece descontroladamente. Nós não temos nada a ver com as células islamitas fundamentalistas violentas, mas entendemos suas motivações. Este é também um motivo para eu ser considerada perigosa. Eu sou uma importante oponente do rei.
Spiegel: O que a senhora faria se o rei lhe pedisse para cooperar com ele?
Yassine: Há tentativas constantes de me integrar ao sistema. Às vezes sou intimidada e às vezes seduzida. Mas enquanto não ocorrer mudanças abrangentes neste país, eu não posso fazer parte do jogo político.
Spiegel: E a senhora não se incomoda com o fato de seu movimento também ser dominado pelos homens?
Yassine: Isto é normal. É quase uma lei da natureza. Os homens sempre lideraram grandes organizações. Mas há muitas mulheres na base. Nós nem mesmo precisamos de uma cota. Esta é outra área em que não precisamos imitar o Ocidente.
Tradução: George El Khouri Andolfato
sexta-feira, agosto 31, 2007
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