Chris McGreal, no The Guardian (Tel Aviv, 17 de janeiro)
A convocação chegou por telefone, às 11h de um sábado. O celular de Yitzchak Ben Mocha mostrou “número não identificado”, mas ele sabia. Uma voz gravada ordenava que se apresentasse à sua unidade do exército às 8h da manhã seguinte. Pôs o uniforme na mala, pensando que, dali, iria diretamente para a cadeia. Reservista israelense, 25 anos, Yitzchak saiu de casa apenas para informar a quem o recebesse que não aceitaria lutar naquela guerra, nem, em nenhum caso, participaria de qualquer ação relacionada à guerra de Gaza.
Apresentou-se e o mandaram montar barracas para os soldados em combate.
“Disse ao oficial ‘Não. Não vou fazer isso.’ Na manhã seguinte, mandaram-me de volta para casa. Disseram que me reconvocariam, se fosse necessário. Até agora, não convocaram. Antes, todos os ‘refuseniks’ passavam meses na cadeia. Depois soltavam, depois voltavam a prender, e era isso, meses a fio. Agora, mandam pra casa. Acho que o exército está dispensando quem se recusa a combater para não ter de admitir que há muitos ‘refuseniks’. Seria prejudicial à imagem de que os israelenses e o exército estão unidos nessa guerra.”
O exército tem informado que há tanto apoio à guerra de Gaza, que apresentaram- se mais soldados para lutar o que a imprensa local caracteriza como uma “guerra justa” do que o necessário, e que muitos reservistas apresentaram- se e foram dispensados, para serem reconvocados se necessário. Ben Mocha diz que isso só serve para encobrir o número cada vez maior de homens e mulheres em idade de servir o exército que se recusam a combater contra Gaza.
Uma organização de apoio aos que se recusam a combater, “Courage to Refuse”, publicou manifesto em vários jornais, condenando a matança de centenas de civis palestinos e conclamando os convocados a recusar-se a combater em Gaza. “A violência brutal, sem precedentes, contra Gaza é chocante. É falsa a esperança de que tanta brutalidade trará alguma segurança aos israelenses, e é esperança perigosa. Não podemos nos manter passivos, quando centenas de civis são assassinados na carnificina promovida pelo exército de Israel” - dizia o manifesto.
É difícil saber com segurança quantos recusaram-se a combater em Gaza, porque o exército os dispensa silenciosamente. Até hoje, só um reservista foi preso por recursar-se a combater em Gaza. No’em Levna, primeiro-tenente do exército israelense, foi posto em prisão militar por 14 dias. “Não há o que justifique matar civis inocentes”, disse ele. “Nada justifica essa carnificina. É a arrogância dos israelenses, como se fosse lógica. É como se dissessem ’se os chacinarmos, ficará tudo bem’. Mas o ódio, a ira que estamos plantando em Gaza recairá sobre nós mesmos.”
Ben Mocha não é militante pacifista nem é anti-Israel. Cresceu em família de judeus ortodoxos, frequentou escola religiosa e prestou serviço militar pleno numa unidade de paraquedistas de combate, considerada da elite do exército israelense.
Disse que se alistou pensando em combater “organizações terroristas”. De repente, “estava matando palestinos que lutavam por independência e autodeterminação, ou espancando agricultores em protesto contra o roubo de suas terras.” Também viu abusos, como soldados israelenses que mandavam mulheres e crianças entrar em casas abandonadas, para “verificar” se não estariam minadas. “Isso é usar escudos humanos” - disse.
“Não sou pacifista. Reconheço que é importante para Israel ter um exército eficiente de defesa, mas não quero mais participar de uma operação de ocupação que já tem 40 anos. Comuniquei ao exército que me apresentarei para treinamento, de modo que sempre estarei preparado para defender Israel. Mas atacar Gaza e perpetuar a ocupação não é defender Israel.”
Esse não é um ponto de vista popular em um país onde o culto ao exército começa na escola e muitos líderes políticos são ex-generais. Mas é provável que a guerra fortaleça aqueles que lhe resistem na medida em que os israelenses puderem refletir sobre a escala da matança.
Em 2003 o exército mandou Yoni Ben Artzi para a prisão por 18 meses, por ter declarado “objeção de consciência”. Artzi, sobrinho de Binyamin Netanyahu, o ex-primeiro- ministro favorito para voltar ao poder nas próximas eleições gerais, foi chamado perante um “comitê de consciência”, formado apenas de oficiais militares. Eles decidiram que ele não era um pacifista – já que sua forte resistência ao exército era uma evidência das qualidades de um soldado!
Ele passou mais tempo na prisão do que qualquer outro “refusenik”, mas recentemente o exército optou por fingir que os dissidentes não existem – ao mesmo tempo em que centenas de soldados e reservistas assinaram petições se recusando a apoiar a ocupação.
O governo ficou particularmente embaraçado quando 27 pilotos disseram que não iriam mais levar adiante a matança de palestinos em Gaza, e quando um grupo de elite se recusou a servir nos territórios ocupados.
Ainda assim, posturas como essas permanecem uma exceção. “Alguns dos meus companheiros de exército não gostam do que estou dizendo. Alguns dizem que não concordam, mas respeitam meu direito de dizê-lo. Agora, com a guerra, eles dizem que estou dando um mau nome à minha unidade no exército”, diz Ben Mocha.
Ele sente-se muito perturbado pelo fato de a maioria dos israelenses e praticamente todos os jornais não estarem vendo que centenas de palestinos foram destroçados pelo poder destrutivo de Israel. “No longo prazo, não é guerra de defesa. Estamos criando mil homens-bomba, que nos atacarão: são os filhos, os irmãos dos que matamos em Gaza. No longo prazo, Israel só gerou mais terror. Não se pode separar a guerra de Gaza do fato de que a Palestina está sob ocupação há mais de 40 anos. Não estou justificando os foguetes do Hamas, mas os israelenses deveriam preocupar-se mais, hoje, com o que nós estamos fazendo.”
* tradução: Caia Fittipaldi e Daniel Lopes.
http://www.amalgama .blog.br/ 01/2009/israel- esta-criando- homens-bomba/
domingo, janeiro 18, 2009
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