quarta-feira, junho 04, 2008

Regiões da Alemanha enfrentam a banalização da violência extremista

Ataques incendiários e racistas, perpetrados por extremistas de direita, fazem parte do cotidiano de certas regiões da Alemanha. As autoridades temem que o cenário neonazista do país esteja tornando-se cada vez mais violento

De Stefan Berk, Markus Deggerich e Sven Röbel

Os incendiários chegaram na noite da véspera do aniversário de Adolf Hitler. Após tentarem queimar uma quiosque de comida asiática na praça em frente à estação de trem de Blankenfelde, uma cidade no Estado alemão oriental de Brandenburgo, eles voltaram a sua atenção para outro quiosque, que vendia doner kebab (churrasco turco, grelhado, vendido em espeto), de propriedade de Haci D., 39. O fogo consumiu rapidamente a parede externa de madeira e tomou conta do quiosque inteiro. Ao raiar do dia, em 20 de abril, Haci D. perdera o seu ganha-pão.

Haci D. tentou várias vezes fazer um seguro para o seu negócio, mas não encontrou uma só companhia que o aceitasse. Seguro contra incêndio para um quiosque turco de doner kebab em Brandenburgo? Haci D. diz que, oficialmente, as companhias de seguro citaram "riscos estruturais" como motivo para rejeitarem o seu pedido.

Atualmente, esses "riscos estruturais" afetam a própria base de uma sociedade na qual a violência extremista de direita tornou-se normal. "O extremismo de direita faz parte do cotidiano, e só atrai atenção quando os crimes são demasiadamente horrendos", diz Wolfgang Thierse, vice-presidente social-democrata da casa baixa do parlamento alemão, o Bundestag.


Neonazistas protestam em Berlim contra o governo alemão em manifestação de 2001


As estatísticas são alarmantes. Em 2007, 24 ataques incendiários perpetrados por extremistas de direita foram relatados, contra 18 do ano anterior. Os alvos são estrangeiros -incluem mesquitas, automóveis e cafés de imigrantes.

"Esses são crimes que representam uma ameaça à segurança pública, e que podem culminar com o assassinato de pessoas", adverte Heinz Fromm, presidente do serviço de inteligência interna da Alemanha.

A tendência ao aumento desses casos parece continuar neste ano. Os números de março são os maiores em vários anos. Em toda a Alemanha a polícia documentou um total de 1.311 crimes cometidos por extremistas de direita e racistas, o que significa um aumento de 458 casos em relação ao mesmo mês do ano passado. Os incidentes incluem 72 atos violentos, revelou o governo em resposta a um questionamento feito por Petra Pau, a vice-presidente do Bundestag, que pertence ao Partido Esquerda.

Nova tendência de "nacionalistas-anarquistas"
Agentes de inteligência identificaram um novo fenômeno extremista de
direita: os chamados nacionalistas-anarquistas. "Há uma probabilidade significativamente maior de que esses indivíduos cometam atos de violência contra rivais políticos e a polícia", afirmam os agentes.

Após as manifestações violentas de rua ocorridas em maio, em Hamburgo, a polícia está bastante consciente da ameaça representada por este novo grupo de brutamontes extremistas. Em Hamburgo, eles participaram da confusão usando os mesmos trajes pretos e exibindo um nível de agressão similar ao dos anarquistas de esquerda. Foi necessário um esforço maciço da polícia para evitar que a situação saísse de controle. De acordo com o ministro do Interior, o democrata-cristão Wolfgang Schäuble, o que ocorreu em Hamburgo comprova que há uma "nova qualidade" de violência.

Os nacionalistas-anarquistas contam com 400 membros em suas fileiras, o que representa aproximadamente 10% da comunidade neonazista da Alemanha. Eles formam a linha de frente de um movimento violento mais amplo que ganha terreno no oeste da Alemanha. Esse movimento está estabelecido há muito tempo no leste do país, área na qual ele sente-se intocável e onde, em certos locais, passou a dominar a vida diária.

No ano passado, o maior número de ataques incendiários perpetrados por neonazistas ocorreu no Estado oriental de Brandenburgo, especialmente nas imediações da cidade de Cottbus, onde, somente em outubro de 2007, quatro estabelecimentos comerciais de propriedade de estrangeiros foram atacados. Os investigadores acreditam que uma estrutura organizada esteja por trás da série de ataques aparentemente orquestrados. Mas, embora o risco de tais ataques esteja aumentando, a população presta menos atenção a eles.

"Os extremistas de direita não tornaram-se menos perigosos", afirma Anetta Kahane, da Fundação Amadeu Antonio Contra o Extremismo de Direita. "O que ocorreu foi que a nossa percepção do problema mudou". Kahane percebeu uma crescente "cultura do cansaço e da habituação ao fenômeno". Segundo ela, esta cultura tem possibilitado aos extremistas de direita tornarem-se ostensivamente agressivos.

Frankfurt an der Oder, uma cidade no leste do país, na fronteira com a Polônia, é o local onde a violência de extrema direita transformou-se em um fenômeno diário. Paradoxalmente, o ultra-direitista Partido Democrático Nacional (NPD, na sigla em alemão) não conseguiu obter uma única cadeira nas recentes eleições municipais da cidade. No entanto, a prefeitura e a polícia municipal sabem muito bem que há um grande potencial para a violência da extrema-direita.

O "Sportlerklause", um bar da cidade que exibia eventos esportivos na televisão, e onde reuniam-se os neonazistas que praticam a violência, foi fechado. Na cidade há precisamente aquele tipo de ambiente que preocupa as autoridades: um perigoso cenário formado por hooligans, conjugado ao clube local de futebol, o FFC Viktoria.

A polícia calcula que o grupo tenha 40 ou 50 extremistas de direita propensos à violência. E estes indivíduos já atacaram várias vezes.
Antigamente o NPD recrutava os seus guarda-costas entre os torcedores desse time de futebol. Agora, entretanto, o grupo parece estar organizando-se por conta própria. Há até fotografias mostrando torcedores radicais fazendo a saudação a Hitler, e usando roupas com o emblema da SS, que consiste de um caveira e ossos cruzados.

Ataques e intimidação
Poucos dias atrás, homens mascarados atacaram novamente, espancando estudantes em frente a um clube em Frankfurt an der Oder. Os porteiros do clube alertaram a polícia, e conseguiram evitar que o incidente descambasse para algo mais sério do que chutes e socos. Sete suspeitos foram detidos, todos eles membros da comunidade de extrema-direita. Mas, como nenhum deles fez a saudação a Hitler nem gritou slogans como "Fora esquerdistas!", durante o incidente noturno, é improvável que o episódio seja registrado pelas autoridades policiais como um ataque da direita.

Christof Winter, um estudante de 25 anos, documentou incontáveis incidentes, incluindo ataques em plena luz do dia e brigas em discotecas, bem como os onipresentes slogans e símbolos em grafite pintados nos edifícios. Winter conhece muitos dos extremistas de direita pelo nome. Ele prefere locomover-se de bicicleta pela cidade, em vez do usar o bonde. Ele também evita freqüentar as discotecas. Os neonazistas o conhecem, e também vigiam Katja Herrlich, 34, uma advogada que colaborou com Winter na sua pesquisa. Ela diz que já se sentiu ameaçada várias vezes. Katja já está acostumada ao fato de os neonazistas locais dirigirem-se a ela pelo primeiro nome na rua, com frase aparentemente inócuas como, "Oi, Katja". Ela diz que a mensagem que eles desejam transmitir é que sabem onde encontrá-la.

Uwe Adler, 36, da aliança de cidadãos contra o extremismo de direita em Weimar, no Estado oriental da Turíngia, diz que passa por experiências semelhantes. Ele pertence ao comitê municipal de assuntos da juventude, e certa vez viu dois neonazistas conhecidos pelas autoridades locais sentados no fundo da sala durante uma reunião pública. Eles pareciam tomar notas da discussão dos problemas referentes à juventude de Weimar.

"Os extremistas de direita embarcaram em um processo de normalização nas cidade e vilas do país", afirma Adler. Alguns grupos patrocinam campanhas de coleta de lixo nas florestas locais, argumentando que estão "protegendo o meio-ambiente para proteger a pátria".

A extrema-direita está tentando reinventar-se como defensora dos cidadãos comuns. "Consciência social só pode ser consciência nacional", é o novo slogan criado pelos anti-capitalistas de extrema-direita. Ao abordarem questões sociais, os neonazistas tentam fazer com que a violência contra dissidentes e os que "vivem da previdência social" seja socialmente aceitável. "Onde quer que o Estado e a sociedade civil recuem, os extremistas de direita preenchem o vácuo", alerta Anetta Kahane, da Fundação Amadeu Antonio.

Socos-ingleses e máscaras de esquiador
A estratégia de intimidação está funcionando. Em cidades como Weimar, indivíduos como o ativista Uwe Adler ainda conseguem encontrar pessoas que apóiam a aliança de cidadãos, "embora o número tenha caído". Em abril, o grupo conseguiu impedir uma marcha neonazista em Weimar, a cidade dos poetas Goethe e Schiller.

"Porém, quando visitei recentemente Apolda, uma cidade próxima, o medo era quase palpável". Os skinheads que o conhecem pelo nome ficaram em frente ao salão da assembléia para a qual Adler dirigiu-se a fim de criar uma aliança de cidadãos. Os skinheads filmaram as pessoas que entravam no edifício.

O resultado da reunião foi desanimador. Segundo Adler, é difícil encontrar "qualquer cidadão comum disposto a distribuir ocasionalmente um panfleto informativo sobre o extremismo de direita na área do centro da cidade. Alguns deles têm medo, e outros ou são indiferentes ou simpatizam secretamente com os neonazistas". Os pais de Adler ficaram preocupados quando websites de extremistas de direita passaram a exibir a sua foto, bem como o seu nome e endereço, como se ele fosse um criminoso procurado.

O depoimento em um julgamento que está ocorrendo na cidade oriental de Dresden expôs algumas das táticas intimidatórias usadas pelos neonazistas. Os réus são membros da "Sturm 34", uma gangue que foi banida. Peter E., 24, um "ex-motorista" do grupo, relatou exemplos assustadores do modus operandi dos neonazistas. De acordo com o seu depoimento, cerca de 50 jovens agruparam-se em torno da antiga bandeira imperial da Alemanha, um dos símbolos dos neonazistas, na cidade de Mittweida, em 2006, a fim de comemorar a criação do grupo. A seguir, um dos réus, Alexander G., apelidado de "Stormer", subiu em uma mesa e proclamou em voz alta a fundação da Sturm 34. O material da gangue incluía luvas cheias de areia para aumentar o impacto dos socos e, segundo Peter E., socos-ingleses e máscaras de esquiador.

Caçada às vítimas
A Sturm 34 não perdeu tempo para colocar os seus preparativos em prática. Em um episódio, a gangue atacou um camping em Mittweida, e em outro eles atacaram um pavilhão onde ocorria um festival local. Segundo os investigadores, cerca de 30 membros chegavam em automóveis, organizavam-se em formação militar e atacavam. O grupo também caçava sistematicamente as suas vítimas em perseguições automobilísticas.

Embora a Sturm 34 esteja agora oficialmente desmantelada, a violência da extrema-direita encontra-se bem viva na região. No início deste ano, skinheads em quatro carros atacaram cinco rapazes da cidade de Geringswalde quando estes retornavam de automóvel para casa. Os neonazistas obrigaram os rapazes a parar o carro, e a seguir vários extremista mascarados os espancaram com porretes e tacos de beisebol.

Os extremistas de direita têm sido especialmente eficientes em disseminar o medo entre os turcos, diz Kenan Kolat, da Comunidade Turca na Alemanha, um grupo que defende os direitos dos imigrantes. Os quiosques de doner kebab são tidos como alvos particularmente fáceis.

Isto, por sua vez, criou um nicho de mercado no setor de seguros. Como as seguradoras alemãs têm se recusado a fornecer seguro contra incêndio a pessoas como Haci D., firmas pequenas e especializadas passaram a entrar em contato com a associação da comunidade turca para oferecer proteção contra incêndio e sistemas de alarme. Os representantes vendem os seus serviços aos empresários turcos, afirmando que um sistema de alarme garantirá que "a mesma coisa não aconteça novamente".

Em uma visita à cidade ocidental de Solingen, na semana passada, para a cerimônia de lembrança do 15º aniversário de um ataque mortífero contra uma família turca, Kolat pôde ver de perto como é a vida para os imigrantes turcos ameaçados pela violência extremista de direita. Em 29 de maio de 1993, quatro homens de uma comunidade skinhead local incendiaram a entrada da casa da família turca Genç. Duas mulheres e três meninas morreram no incidente.

Os sobreviventes permaneceram em Solingen, onde construíram uma nova casa -rodeada por um muro e protegida por câmeras de vídeo 24 horas por dia.

Tradução: UOL

Um comentário:

Anônimo disse...

a mentira nao e eterna
tremei vermes