quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Daniel Barenboim

Maestro israelita Barenboim adopta nacionalidade palestiniana

Diaa Hadid, AP, Jerusalém

O célebre maestro e pianista israelita Daniel Barenboim adoptou a nacionalidade palestiniana e declarou ter esperança de que a sua dupla nacionalidade possa ser um exemplo dos laços eternos entre israelitas e palestinianos.

Barenboim, nascido em Buenos Aires, que faz questão de realizar regularmente concertos nos territórios palestinianos ocupados, aceitou no sábado passado um passaporte honorário palestiniano que lhe foi oferecido no fim de um concerto realizado em Ramalá, na Cisjordânia.

“Espero que este meu novo estatuto seja um exemplo da coexistência israelo-palestiniana”, disse o pianista e maestro de 65 anos. “O nosso destino, para o mal e para o bem, é vivermos juntos. Eu prefiro pensar que é para o bem”.

“Aceito esta nacionalidade porque simboliza a ligação que para sempre existirá entre os povos israelita e palestiniano”, declarou ao Jerusalem Post no fim do concerto.

Barenboim foi agraciado com a nacionalidade palestiniana em reconhecimento pelas posições que tem tomado a favor do povo da Palestina e pela sua teimosia em visitar os territórios ocupados depois das ofensivas israelitas que começaram em 2002, disse à AFP o advogado independente Mustapha Barghuti.

A direita israelita, que já o acusara de anti-semitismo por divulgar obras de Richard Wagner, não viu com bons olhos este gesto e um dos líderes do Partido Shas afirmou mesmo que “um homem como Barenboim não devia ter nacionalidade israelita e que esta lhe devia ser retirada”. Um porta-voz do governo sionista disse, todavia, não haver base legal para o fazer.

O maestro, que tem residência em Berlim, tem usado a celebridade de que goza no mundo inteiro para promover a causa da paz no Médio Oriente, a coexistência entre os dois povos através da música. Com Edward Said fundou a Orquestra Diwan Este-Oeste constituída por jovens músicos palestinianos, israelitas e dos países árabes.

Em Dezembro último, anulou um concerto numa igreja da Faixa de Gaza por as autoridades sionistas não terem autorizado a passagem de um músico palestiniano.

Barenboim foi um grande amigo do professor palestiniano-estadunidense Edward W. Said, falecido há cerca de dois anos, que defendia corajosamente a solução de um único Estado laico e democrático na Palestina e considerava ser um erro trágico a ideia, vigente desde os acordos de Oslo, de “dois povos, dois Estados”.

Tendo começado a carreira como pianista, Barenboim foi maestro da Orquestra Sinfónica de Chicago e da Staatskapelle de Berlim. Desde Maio de 2006 ocupa o invejado cargo de maestro da ópera La Scala de Milão.

"Guantánamo do Afeganistão" reúne 800 presos

Os detidos na base americana de Bagram não foram acusados nem têm defesa legal

Ángeles Espinosa
Enviada especial a Bagram


"Eles têm a assistência de advogados?" O tenente-coronel David Accetta vira-se para o comandante Chris Belcher em busca da resposta, mas seu número 2 como oficial de Assuntos Públicos na Base Aérea de Bagram encolhe os ombros. "Não sei", responde Accetta, "ninguém me perguntou isso antes." Em algum lugar desse recinto situado a 60 km ao norte de Cabul, talvez não muito longe de onde se realiza a entrevista, "entre 600 e 800" detidos se encontram em um limbo legal, sem acusações formais, sem direito a defesa e sem um horizonte claro, porque os EUA consideram que "constituem uma ameaça para a comunidade internacional". São quase o triplo dos 275 internados em Guantánamo, e sua situação é muito menos conhecida.

Os oficiais tentam ser cordiais. Durante quase duas horas se esforçaram para explicar o que fazem suas tropas no Afeganistão, o que conseguiram nestes seis anos e aonde querem chegar. No entanto, a comunicação torna-se tensa quando esta correspondente pergunta sobre o centro de detenção da base, o Bagram Theater Internment Facility em seu jargão. "Normalmente não falamos sobre isso com jornalistas", explica Accetta.

O que começou sendo um mero centro de classificação de prisioneiros depois da derrubada do regime taleban em 2001 se transformou no maior e menos transparente centro de detenção do exército americano. Os militares não mostram em que lugar exato da base se encontra a prisão, que não admite visitas. Para os ativistas de direitos humanos, o problema é muito semelhante ao de Guantánamo, só que Washington conseguiu mantê-lo afastado da atenção da mídia. De fato, o número de presos aumentou desde que se interrompeu seu envio para o enclave cubano em setembro de 2004, para evitar a proteção legal a que pudessem ter acesso nessa penitenciária.

Apesar de o comandante Belcher explicar que não se trata de uma prisão secreta, tudo o que a cerca parece sê-lo. "Não posso lhe dar números exatos", responde Accetta em relação ao número de presos. "Entre 600 e 800" é o máximo que afirma depois de minha insistência. A margem é muito mais ampla do que entre 600 e 650 estimados há um mês pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV). Essa organização, a única que tem acesso ao centro de detenção de Bagram, queixou-se de que lhe ocultam os detidos.

Em uma demonstração incomum de mal-estar para um grupo que baseia seu trabalho na confidencialidade, seu diretor de operações para o Afeganistão, Pierre Kraehenbuehl, denunciou em dezembro passado que o CICV "não recebe notificação de todos os lugares de detenção e detidos", e em conseqüência disso "não pode confirmar que tem acesso a todos os detidos no Afeganistão". Em suas declarações, divulgadas no site do CICV, explicou que "o fato de ter acesso regular (a um lugar de detenção) não implica que não existam preocupações sobre as condições de detenção e tratamento".

Os militares negam que estejam ocultando prisioneiros. "O CICV tem acesso a todos os detidos do centro de detenção de Bagram", afirma Accetta. Então não há presos sem declarar? "Não que eu saiba." Claro que, segundo fontes do Pentágono ouvidas pela imprensa americana, entre sua detenção e seu registro se passam pelo menos duas semanas, durante as quais eles não existem oficialmente.

As cifras de detidos oscilam muito, segundo admitem as organizações de direitos humanos. Accetta explica que as detenções são "um processo em marcha; ocorrem periodicamente", mas esclarece que "isso não significa que todos os detidos permaneçam aqui; alguns são libertados, outros são entregues ao governo afegão". Em que porcentagem? Não se informam dados. Tudo o que se refere a esta prisão permanece na ambigüidade. Os porta-vozes não esclarecem sequer o tempo médio de detenção. "Não sei" é a resposta.

As explicações sobre quem está detido também não são muito mais claras. "Foram identificados como inimigos do Afeganistão ou como inimigos da paz e da estabilidade", responde Accetta. O que significa isso? "Que constituem uma ameaça para a comunidade internacional e não nos referimos só aos EUA, porque há diversas organizações terroristas que atacaram outros países, como a Espanha, e em conseqüência os vemos como uma ameaça global."

O tenente-coronel Accetta reconhece que não são criminosos e portanto não procede submetê-los a julgamento. "Estamos em uma zona de guerra, mas não se trata de uma guerra convencional na qual se enfrentam dois exércitos e se respeitam as convenções de Genebra", justifica. Insiste que eles não detêm ninguém sem provas. Então por que não os apresentam diante de um juiz? "Não tenho certeza de que quando detemos alguém em cujo domicílio encontramos material para fabricar bombas, isso esteja previsto na lei afegã", cita como exemplo.

As conseqüências da ilegalidade da prisão de Bagram vieram à luz em 2005 depois de um relatório de 2 mil páginas elaborado pelo próprio exército sobre a morte, fruto de maus-tratos, de dois prisioneiros afegãos identificados como Habibullah e Dilawar (no Afeganistão é comum ter só um nome). Os homicídios ocorreram em dezembro de 2002. Cerca de 30 militares foram investigados e a metade deles indiciada, o que não evitou que alguns dos envolvidos fossem destinados à prisão de Abu Ghraib.

O tratamento dos detidos parece ter melhorado depois daquele relatório e do escândalo das torturas na prisão iraquiana. Mas as instalações de Bagram deixam muito a desejar, segundo descrições de ex-prisioneiros e ex-militares colhidas pela imprensa americana. Trata-se, ao que parece, de células de metal como galinheiros, sem luz natural, nas quais deve ser muito duro enfrentar o inverno cru da estepe que cerca Bagram.

Os responsáveis militares sempre desculparam essas condições pelo caráter temporário da penitenciária. No entanto, seis anos depois de sua inauguração não há sinais de que vá ser fechada. Washington financiou uma ala de alta segurança na prisão de Pul-i Charki, perto de Cabul, mas os americanos parecem relutantes a entregar o grosso dos detidos aos afegãos. Accetta menciona a ausência de um Estado de direito (e as instituições jurídicas e policiais que lhe são inerentes). Desde sua abertura em abril passado até a última semana, 225 presos foram transferidos para o pavilhão D, incluindo 32 procedentes de Guantánamo, e os afegãos libertaram 12 deles.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

A independência do Kosovo

Artigo publicado antes do dia 17 de Fevereiro de 2008, por Jorge Almeida Fernandes, no sítio do jornal português Público:


O que mais impressiona neste processo é o ar de fatalidade. Não haverá acordo sobre o Kosovo até à data limite de 10 de Dezembro. Hashim Thaçi, antigo chefe da guerrilha albanesa que acaba de vencer as legislativas, proclamará a independência. Os Estados Unidos reconhecê-la-ão. Os europeus, embora divididos, deverão seguir os americanos. A Rússia e a China vetarão o reconhecimento no Conselho de Segurança. A UE e a NATO serão forçadas a manter o novo Estado sob tutela.

É "o último mas inacabado capítulo da balcanização dos Balcãs", iniciada nos anos 1990, escreve no Guardian o colunista Simon Jenkins. Temem-se as consequências em três planos: violência no Kosovo, um efeito de dominó sobre os separatismos, na região e fora dela, e um agravamento da tensão entre o Ocidente e a Rússia.

Um pequeno sinal: Londres seguirá a posição de Washington, mas tanto o MNE David Miliband como o "ministro sombra" da Defesa conservador, Liam Fox, alertaram esta semana para o risco de reabertura dos conflitos na região.

A UE pressiona para que a decisão seja diferida por alguns meses e submetida a referendo. No entanto, o americano Richard Holbrook, que negociou o fim da guerra na Bósnia, declarou a um jornal alemão: "Os albaneses do Kosovo declararão a independência dentro de um mês."

Oito anos depois da guerra de 1999, está fora de questão reintegrar o Kosovo na Sérvia. O problema esteve congelado graças a um protectorado internacional. Belgrado aceita os mais amplos estatutos de autonomia mas não a perda formal da soberania sobre a província. Apoiados pelos EUA, os kosovares só aceitam a independência. A Rússia exige uma solução que tenha o acordo das duas partes. O quadro negocial está, assim, completamente bloqueado.

Em Março, o finlandês Martti Ahtisaari, enviado especial da ONU, apresentou ao Conselho de Segurança a proposta de uma ambígua "independência sob supervisão internacional". O compromisso falhou, mas aquela fórmula continua a ser o único modelo de que a UE dispõe: "A nova nação deve ser categoricamente controlada pela UE e uma força internacional deve permanecer."

A KFOR - a força da NATO - e a polícia da ONU já tomaram medidas para ocupar a fronteira com a Sérvia e pontos sensíveis do território.

O cenário da queda dos dominós foi equacionado há muito tempo. Uma declaração unilateral de independência, sobretudo se reconhecida pelos EUA e principais Estados europeus, teria efeitos sobre a República Sérvia da Bósnia, cuja população deseja pertencer à Sérvia. O Norte do Kosovo, de maioria sérvia, recusar-se-á a integrar o novo Estado. Tudo isto teria imediato impacto na Macedónia, cuja região muçulmana se quer ligar à Albânia.

Reforçaria também as pulsões separatistas noutras regiões. Moscovo avisa que uma independência unilateral do Kosovo inspirará os separatistas (pró-russos) da Transnístria, na Moldávia, ou os da Abkhazia, na Geórgia: seria abrir a Caixa de Pandora e, se fosse legitimada pela ONU, constituiria um precedente incontrolável em todo o mundo.

O Kosovo será viável?

O segundo temor diz respeito ao Kosovo. Há eleições mas não existem reais instituições democráticas. É uma província administrada por funcionários internacionais. Um recente relatório da UE traça o quadro negro dum paraíso de máfias e corrupção. Teme-se o recrudescimento dos confrontos intercomunitários e o regresso da "limpeza étnica", agora com sinal inverso. No Kosovo ou na Bósnia, "a paz nunca passou de armistício", escreve um jornal alemão.

Será um país economicamente inviável. O diplomata britânico David Webb diz ao Guardian que os problemas económicos - o mais baixo rendimento per capita da Europa e uma taxa de desemprego de 60 por cento - são tão graves que a independência "será ilusória".

O terceiro efeito é a abertura de uma nova frente de tensão entre Ocidente e Rússia. Os americanos foram os grandes beneficiários da mudança geopolítica dos Balcãs após a desintegração da Jugoslávia. Instalaram bases na região. Moscovo vê a independência do Kosovo como mais um facto consumado imposto pelos EUA e pela NATO. Se houver proclamações unilaterais na Transnístria ou na Abkhazia, a tensão será muito forte.

A ponderação destes riscos leva países "sensíveis" - como Espanha, Grécia, Chipre ou Eslováquia - a rejeitar a independência do Kosovo. A Alemanha encara o problema com pessimismo, mas quando Washington reconhecer o Kosovo Berlim fará o mesmo. A UE acabará por alinhar com os EUA. A razão é límpida: impedir que Moscovo utilize a divisão da Europa para alargar a sua margem de manobra.

O Kosovo é hoje uma causa americana e um problema europeu. A Europa espera que os EUA controlem Hashim Thaçi, seu protegido. E, como este se prepara para dirigir um Estado "assistido", cuja factura é paga pela Europa, esta exige que ele tenha maneiras. "O Sr. Thaçi tem de perceber que há uma diferença entre ser político na oposição e ser primeiro-ministro. Não penso que [os kosovares] queiram ser independentes da comunidade internacional", avisou o antigo primeiro-ministro sueco Carl Bild, com muitos anos de experiência nos Balcãs.

Quem perdeu o Kosovo?

Um dos factores que mais complica o jogo é o facto dos principais actores estarem intoxicados pelo passado, recente ou longínquo. "Quem perdeu o Kosovo?" Antes de mais Milosevic, ao anular em 1989 a autonomia da província, como meio de tomar o poder em Belgrado. Como sempre, os sérvios sabem que perderam mas nenhum político está disposto a "suicidar-se" assinando a renúncia ao "berço da nação".

A Europa dividiu-se perante a desintegração jugoslava e assistiu impotente à tragédia da Bósnia. Quando chegou a altura de dizer "basta" a Milosevic, europeus e americanos tiveram de proclamar um "genocídio" para legitimar o ataque à Sérvia sem o aval do Conselho de Segurança. A Europa continua a viver a sua "culpa".

Por seu lado, os albaneses não cessam de evocar as suas origens mitológicas e de sonhar com uma "Grande Albânia".

Hashim Thaçi, 39 anos, - "A Serpente", segundo o nome de guerra - merece atenção. É a grande incógnita do jogo que agora se abre. Começou a carreira num grupo partidário da "Grande Albânia", que em 1996 deu lugar ao "Exército de Libertação do Kosovo". Depois de ter constado da lista de "grupos terroristas" do Departamento de Estado, o UÇK foi promovido pela Administração Clinton a movimento de libertação. Thaçi fez o seu papel. A clássica táctica "acção, repressão, acção" acelerou os massacres pelo exército sérvio e marginalizou durante a preparação da guerra o movimento independentista largamente maioritário, a Liga Democrática do Kosovo (LDK), de Ibrahim Rugova, que preconizava a luta por meios pacíficos.

Falecido Rugova, a LDK dividiu-se e Thaçi chegou finalmente ao poder. É o vencedor da guerra de 1999.

Link direto: http://dossiers.publico.pt/noticia.aspx?idCanal=2287&id=1319759