sexta-feira, fevereiro 16, 2007

O Livreiro de Cabul

'Asne difamou a minha família'

Em entrevista exclusiva ao Estado, Rais diz que espera recuperar a sua honra e a de seu país

Shah Muhammad Rais, de 53 anos, é o legítimo livreiro de Cabul. A paixão pela leitura começou na infância, em férias de verão que passava nas capitais do Irã, Paquistão e da antiga União Soviética, onde costumava visitar livrarias com o pai, construtor. Como ele, Rais formou-se em engenharia civil pela Universidade de Cabul. Mas, ainda na faculdade, começou a publicar, importar e vender a estudantes livros didáticos e científicos, depois história, sociologia e literatura. Hoje, vende para 300 escolas e 10 universidades no Afeganistão e é o maior editor e livreiro do País.

Por defender seus livros, Rais foi preso pelos comunistas após a invasão soviética do Afeganistão, em 1980 - atrás das grades, aproveitou para ler mais sobre a história de seu país e poesia persa, uma paixão. Teve a sua livraria invadida e o estoque queimado inúmeras vezes durante os subseqüentes regimes dos radicais islâmicos mujahedin e Taleban. Mas, conseguiu preservar, escondidos em porões, 17 mil títulos de literatura e história afegã, em idiomas como pashi, alemão, francês, russo, inglês, espanhol e até português, além de dari e pashto, idiomas locais. É o maior acervo de que se tem notícia sobre o país e que ele pretende transformar em uma nova biblioteca nacional - a antiga foi saqueada pelos talebãs.

Por enquanto, mantém seu acervo em uma loja no centro comercial e político de Cabul, onde emprega 24 funcionários. A partir desta semana, ingressa em uma nova aventura: rodar por cidades distantes no volante de um ônibus Mercedes-Benz, transformado em livraria itinerante - um desafio, num Afeganistão com mais de 70% da população analfabeta - que leva o nome de Books & Rivers (Livros & Rios).

Por que rios? “Porque não se pode parar o curso d’água”, diz. A mesma analogia ele usa para justificar a sua decisão de escrever Eu Sou o Livreiro de Cabul, espécie de acerto de contas com a autora norueguesa Asne Seierstad. “Não importa o que eu faça, o livro de Asne permanecerá como verdade. Só me resta apresentar a minha versão”, diz Rais, um velho conhecido dos jornalistas.

Intelectual, viajado e poliglota, serviu a uma geração de correspondentes de guerra internacionais em busca de informações sobre a realidade do país, há quase três décadas em conflito. Assim conheceu Asne, enviada ao Afeganistão para cobrir a invasão americana pós 11 de setembro de 2001. Ela chegou a Cabul em fevereiro de 2002, após a queda do regime taleban.

Continua...

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